Ouvimos e falamos constantemente de “cuidar da casa comum”, mas não podemos manter-nos como que anestesiados pelas palavras bem-intencionadas. É tempo de concretizar outras formas de usar os recursos da Terra, que nos está emprestada pelas gerações futuras e que devemos restituir em boas condições.
Luís Mah apresenta sucintamente as conclusões do Relatório do Desenvolvimento Humano (2021/2022) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Marisa Temporão leva-nos a escutar o que dizem as crianças e Humberto Martins mostra-nos como se deu resposta a uma situação de fragilidade e sofrimento, construindo uma aldeia acolhedora.
Incertezas e Esperanças

Rita Veiga
Nascida em Lisboa em 1953. Licenciada em Filologia Germânica na Univ. Clássica de Lisboa. Professora de Português e de Inglês (1976-1982); redatora na Editorial Verbo (1982-1989); jornalista e copy-desk no Público (1989-2000); assessora da direcção na ongd Oikos, Cooperação e Desenvolvimento (2000-2005); tradutora, editora e gestora na Dito e Certo (2006-2012), A partir de 2012. Membro da rede Cuidar da Casa Comum – a Igreja ao serviço da ecologia integral, em representação da Fundação Betânia, integra (desde 2019) a comissão executiva da coordenação da Rede.
Ouvimos e falamos constantemente de “cuidar da casa comum”, mas não podemos manter-nos como que anestesiados pelas palavras bem-intencionadas. É preciso que o nosso discurso seja consequente e leve à concretização de outra forma de usar os recursos da Terra. Consideremos que ela nos está emprestada pelas gerações futuras e devemos restituí-la em boas condições.
A encíclica Laudato si’ (LS) já tem oito anos, mas o apelo do Papa Francisco, a que cuidemos desta casa que é de todos, carece ainda de uma resposta empenhada, ao menos da generalidade das comunidades cristãs. Igualmente inspiradora, a Fratelli tutti (FT), de 2020, propõe que a fraternidade e a amizade social determinem as nossas atitudes e as relações que temos uns com os outros, abrangendo a humanidade inteira.
Com o passar do tempo e a passividade da maioria, mais difícil e penoso será preservar as condições que nos permitem habitar o planeta, sem contar com o perigo de prevalecer o desânimo que leva a desistir. Para despertar da modorra os mais alheados, procuramos abordar o tema por diferentes ângulos.
Primeiro, pretendemos alargar o campo de observação: não esqueçamos que por todo o mundo se fazem sentir os efeitos devastadores das alterações climáticas. É o desespero para as populações atingidas, sobretudo as que já viviam na pobreza e perdem os escassos meios de sobrevivência, ficando dependentes de ajuda humanitária, em geral insuficiente. São nossos irmãos e irmãs, da grande família humana que habita a casa comum, e temos de ser criativos, porque não podemos esquivar-nos à responsabilidade que nos toca.
É necessário fazer crescer não só uma espiritualidade da fraternidade, mas também e ao mesmo tempo uma organização mundial mais eficiente para ajudar a resolver os problemas prementes dos abandonados que sofrem e morrem nos países pobres.
FT 165

Neste âmbito, Luís Mah apresenta muito sucintamente as conclusões do Relatório do Desenvolvimento Humano (2021/2022) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O chamado “novo normal” não é nada tranquilizador, traz grandes incertezas, mas sugerem-se, em contraponto, três ordens de ação para fazer frente aos problemas.
A seguir, vamos saber o que dizem algumas crianças do pré-escolar que, na escola, cuidam de uma horta.
Marisa Temporão, coordenadora pastoral, e a educadora Mafalda, do Externato Marista de Lisboa, mostram-nos como “promover o respeito por aquilo que é de todos, a nossa Casa comum”. Estas crianças, no seu brincar, têm uma relação de harmonia com a natureza e criam laços que decerto vão influir nos seus estilos de vida. Dão-nos uma renovada motivação para cuidar do futuro e a esperança com que se há-de construí-lo.
Cuidar do mundo que nos rodeia e sustenta significa cuidar de nós mesmos. Mas precisamos de nos constituir como um “nós” que habita a casa comum.
FT 17
E a comprovar que “o amor social é uma força capaz de suscitar novas vias para enfrentar os problemas do mundo de hoje” (FT 183), Humberto Martins explica como na Mexilhoeira Grande se deu resposta a uma situação de fragilidade e sofrimento, construindo uma aldeia acolhedora, com uma beleza como poucas vezes se encontra.
Fica o desafio a cada um(a) de persistir em ser parte da solução, já que dentro da sua esfera de ação, todos podemos ser colaboradores na admirável obra da Criação. A REDE R3C – Cuidar da Casa Comum – https://casacomum.pt –, através dos seus membros, empenha-se todos os dias na conversão ecológica ambiental, social e espiritual. Nestes tempos que põem à prova a nossa esperança, fortalece-nos a convicção de que:
Deus, que nos chama a uma generosa entrega e a oferecer-Lhe tudo, também nos dá as forças e a luz de que necessitamos para prosseguir. No coração deste mundo, permanece presente o Senhor da vida que tanto nos ama. Não nos abandona, não nos deixa sozinhos, porque se uniu definitivamente à nossa terra e o seu amor sempre nos leva a encontrar novos caminhos. Que Ele seja louvado!
LS 245
Construir o Futuro em tempos de transformação

Luís Mah
Professor Auxiliar em Estudos de Desenvolvimento no ISCTE.
Trabalha há mais de 19 anos com organizações da sociedade civil e entre 2007-2010 liderou a Campanha do Milénio das Nações Unidas em Portugal.
O título do último Relatório do Desenvolvimento Humano (2021/2022) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) 1, apresenta-nos o que chama o “novo normal” na casa comum em que vivemos e de que temos de cuidar. Um “novo normal” feito de crescentes incertezas e inseguranças humanas.

Aos impactos que ainda se vão sentindo da pandemia e do horror e sofrimento da Guerra na Ucrânia, juntam-se três grandes incertezas que marcam e continuarão a marcar as nossas vidas nas próximas décadas ou mesmo séculos, num cenário global cada vez mais perturbador e inquietante.
Primeiro, a incerteza das mudanças planetárias causadas pela emergência climática resultado da ação humana (ou Era do Antropoceno como realça o relatório) e que prometem intensificar ainda mais as desigualdades humanas já de si problemáticas.
Segundo, a necessidade de responder a estas mudanças planetárias, acaba por gerar uma outra incerteza, principalmente laboral, com as transformações na organização das sociedades. A emergência de novas indústrias mais amigas do ambiente que exigem outras (re)qualificações profissionais ou a introdução da automação e da inteligência artificial em substituição da mão-de-obra humana têm vindo a alimentar uma crescente insegurança económica junto dos trabalhadores, desafiando o seu bem-estar.
Finalmente, a incerteza causada pelo reforço da polarização política e social entre e dentro dos países e a sua relação com a proliferação das redes sociais. O extremismo político, facilitado e exacerbado pelas novas plataformas tecnológicas e que emerge associado a uma visão cada vez mais crítica e desconfiada quanto ao papel dos governos, acaba por ter como efeito reduzir as possibilidades de cooperação e colaboração cruciais para se encontrarem consensos em políticas públicas destinadas a ajudar a mitigar e a adaptar aos efeitos da emergência climática. Cuidar da casa comum está a ser cada vez mais difícil.
Mas ainda há esperança para tornar as pessoas mais seguras na casa comum. Através de três ações como, por exemplo:
- investimento em medidas que ajudem a enfrentar a emergência climática, apostem no desenvolvimento humano centrado na valorização da natureza e providenciem bens públicos mundiais como a educação ou saúde para todos;
- proteção dos direitos humanos e dos serviços sociais básicos, da promoção do debate público e da participação social;
- e através da inovação social, do combate à desinformação e da eficiência energética.
Este relatório (também conhecido pela sigla RDH) foi publicado pela primeira vez em 1990, e na sua origem esteve a vontade de criar uma abordagem que avaliasse o processo de desenvolvimento com o ser humano no seu centro e a quem seriam dadas as oportunidades e liberdades para alcançar o seu bem-estar.
Todos os anos o RDH lança o chamado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que mede os países segundo o que se considera ser as três dimensões básicas do desenvolvimento humano: anos de escolaridade, anos de longevidade e rendimento per capita. Desde a sua criação, o IDH tem vindo a sofrer modificações e ajustamentos de modo a melhor refletir novas realidades.
O progresso positivo do IDH nas últimas três décadas é evidente. Mas o que este último RDH vem revelar é que esse progresso está agora ameaçado se não agirmos imediatamente.
(1) PNUD 2022, Tempos Incertos, Vidas Instáveis: Construir o Futuro em Tempos de Transformação, PNUD: Nova Iorque. Sumário executivo e versão completa disponíveis em: https://hdr.undp.org/content/human-development-report-2021-22 .
Testemunho

Marisa Temporão
Professora apaixonada de Biologia e Geologia há 20 anos, atualmente a exercer também a função de Coordenadora de Pastoral do Externato Marista de Lisboa.
Cuidar da Casa Comum foi um desafio lançado pelo Papa Francisco que a Província Marista Compostela acolheu de braços abertos, sendo, inclusivamente, uma linha orientadora do Plano Estratégico: Despertar e desenvolver a nossa consciência ecossocial, numa perspetiva inclusiva e cristã num quadro institucional da Província Compostela, que promove a solidariedade, o consumo responsável e a sustentabilidade.
Neste âmbito, foi desenvolvida uma Horta no Ensino Pré-Escolar, onde são dinamizadas várias atividades com os alunos, incluindo momentos de interioridade a tratarem e cuidarem da própria horta. Desta forma ativa, promovemos nos alunos um cuidado com a natureza, aprendendo a respeitar os ciclos naturais, de forma fluida e como parte do seu dia-a-dia, que acreditamos serem as raízes para uma atitude responsável e de cuidado do nosso planeta e de toda a criação.
Sobre este assunto, fomos conversar com alunos dos 5 anos. Quando lhes perguntámos “O que é que tu sentes quando vais à horta? O que é que gostas mais?”, o sentimento predominante, sem qualquer hesitação, entre muito entusiasmo e gargalhadas, foi a felicidade e a alegria, porque cuidar da horta é muito divertido. O João B. salientou que adorava “brincar com as pás” na terra, fazendo os buracos, o João P. referiu que gostava muito “de plantar coisas na horta”, enquanto a Aurora e a Sofia preferem “regar as plantas”. Já o Zé diz que gosta muito “das alfaces e de as colocar na terra”… pode ser que também seja uma ajuda para gostar de as incluir nas refeições! Para a Constança a horta é uma grande brincadeira, onde pode mexer em muitas coisas.
Todos os alunos acham que é importante proteger a natureza (e a sua horta), porque não querem que os animais, nem as plantas morram. A Sofia, com muita sabedoria para a sua idade, diz ainda que se não cuidarmos da natureza, podemos ficar todos doentes, intuindo já a ligação entre todos os seres vivos.
A pergunta seguinte “Como é que tu e a tua família podem ajudar o ambiente?” foi um pouco mais difícil, mas os nossos pequenos horticultores também já têm algumas ideias sobre o assunto.
A Aurora achou que era importante mandar o lixo para os sítios certos, enquanto o Zé, mais informado, afirmou que os pais separam o lixo em sacos diferentes, para colocar nos ecopontos. A Sofia afirmou que devemos ajudar todos os bichinhos, dando-lhes de comer.
O João B. referiu que uma forma de ajudar é andar na rua confortável e, claro que concordamos todos, que gostar de passear em parques e outros espaços naturais, contemplando a natureza é uma forma de valorizar este mundo belíssimo com que Deus nos presenteou.
“O Projeto da Horta é um instrumento muito importante para a educação dos nossos pequeninos”, diz a educadora Mafalda. Pretende-se promover o respeito por aquilo que é de todos, a nossa Casa comum, onde vivemos em harmonia com a Natureza e plantamos a semente de um estilo de vida ecologista.
Com o dia a dia da horta damos a conhecer os nossos irmãos (Sol, Terra, Água, Lua e Vento), como diz S. Francisco, descobrimos os seus ritmos e aprendemos a agradecer o que colhemos e cuidamos.
A aldeia de São José

Humberto Martins
Humberto Martins, casado , tenho três filhos.
Trabalho no Centro Paroquial da Mexilhoeira Grande há 12 anos. Tenho as funções de Encarregado Geral da Instituição.
O Centro Paroquial da Mexilhoeira Grande é uma IPSS, com valências para idosos e crianças, uma dessas valências é a Aldeia de São José de Alcalar, que destaco no texto. Atualmente servimos diariamente cerca de 140 Idosos e 150 crianças, nas nossas diferentes valências.
Na Encíclica Fratelli Tutti, o Papa Francisco afirma que “quando a dignidade do homem é respeitada e os seus direitos são reconhecidos e garantidos, florescem também a criatividade e a audácia, podendo a pessoa humana explanar suas inúmeras iniciativas a favor do bem comum”.
Também o P. Domingos Monteiro da Costa, sj, ao sonhar com a Aldeia de São José de Alcalar, olhou primeiro para a necessidade de defender e amparar os mais vulneráveis e pobres desta freguesia.
Em meados da década de 70 do século passado, quando o P. Domingos Monteiro da Costa, sj, chegou à paróquia, a freguesia da Mexilhoeira Grande, apesar de ser a maior área do concelho de Portimão, era, como continua a ser, a freguesia com a mais baixa densidade populacional. Se hoje continuam a existir alguns problemas sociais, nesse tempo os problemas eram muito maiores. Dada a geografia rural da freguesia, os cinco lugares mais interiores, menos populosos, distantes uns dos outros, sem acessos viários entre eles e com o centro da freguesia, não dispunham de qualquer rede de apoio social. Os filhos saíam para fora à procura de melhores condições de vida, deixando os pais à sua sorte, sem garantia de qualquer apoio, quando a saúde e a idade não permitissem a autonomia. Muitos dos pais idosos viam o suicídio como única solução para a solidão em que viviam.
Foi neste cenário preocupante, numa freguesia sem qualquer apoio social e económico, que o P. Domingos Monteiro da Costa, sj, sonhou a construção da Aldeia de S. José, de Alcalar, para pessoas idosas, onde pudessem ter assistência para os problemas inerentes à idade, manter as raízes culturais, prolongar até ao fim da vida, não só a ligação à natureza e ao campo, como garantir e manter a comunhão, a autonomia e a privacidade do casal, mesmo tendo filhos deficientes.
Este conceito enquadra-se nas palavras do Papa Francisco, na Laudato Si’ (nº 22).
Tendo em conta que o ser humano também é uma criatura deste mundo, que tem direito a viver e ser feliz e, além disso, possui uma dignidade especial, não podemos deixar de considerar os efeitos da degradação ambiental, do modelo atual de desenvolvimento e da cultura do descarte sobre a vida das pessoas.
O modelo criativo, inovador e audaz, faz da Aldeia de São José um novo paradigma da Assistência à Terceira idade, não tanto pelo projeto de arquitetura, mas pela novidade de assistência social, prestada, nesta fase da vida, aos mais pobres e vulneráveis da freguesia.
Nela, cada pessoa idosa, cada casal e cada família, no caso de casais com filhos deficientes, pode encontrar numa das 52 moradias e nos verdes jardins que circundam todo o complexo, o que, normalmente, não encontram num Lar tradicional: liberdade, autonomia e privacidade.
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