No ano de 2020, imigraram para Portugal 67 160 pessoas. Os dados são da Pordata, a Base de Dados Portugal Contemporâneo, e mostram que, desde 2012, a tendência da imigração no nosso país é de aumento lento e consistente.
A população estrangeira residente em Portugal, de novo com dados de 2020, é de 661 607 pessoas. Destas, pouco mais de 250 mil são de países europeus (com os imigrantes do Reino Unido e da Roménia à cabeça); 106 mil vêm de países africanos (sobretudo de Cabo Verde e de Angola); do continente asiático chegaram 100 mil imigrantes (a quase totalidade de três países: China, Índia e Nepal). Finalmente, da América há 203 699 pessoas, sendo 183 875 brasileiros.
Estes números referem-se aos cidadãos estrangeiros com autorização de residência no País, mas as proporções não devem variar muito em relação às pessoas a aguardar o (tristemente quimérico) “agendamento” no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Em Portugal há várias organizações e de vários tipos que se dedicam ao apoio à integração da população migrante e das pessoas refugiadas. O Governo tem também uma política clara e ativa de facilitar o acolhimento, embora muitas vezes as palavras esbarrem contra bloqueios burocráticos e financeiros que fazem da integração uma ultramaratona daquelas bem exigentes e sofridas.
Uma das tarefas destas organizações e do Governo são as ações de advocacy. Usa-se este termo inglês para definir o processo de defender e apoiar certas causas, em que uma parte precisa em determinado momento de maior acompanhamento e argumentação a seu favor. Sensibilizar os nossos media para que se interessem por histórias de integração de migrantes e refugiados é uma ação de advocacy.
Contar histórias de superação, exemplos de entreajuda ou de dedicação especial, mostrar os rostos de quem chega a Portugal (independentemente da razão) e aqui decide ficar e construir um projeto de vida, encurta a distância que existe entre os algarismos e a vida real. Por isso, também neste tema, o papel dos media é tão importante para a qualidade da nossa democracia.
Não chega, claro. Todos podemos fazer advocacy pela integração de pessoas estrangeiras (ou outras pessoas normalmente à margem, como pessoas com deficiência, os mais velhos, as mulheres, cidadãos menos escolarizados, etc.) e são muitos os fóruns em que uma palavra ou um gesto podem fazer a diferença.
A nossa civilização é plural. É evidente que muitas vezes a heterogeneidade é um desafio complicado, que aumenta tensões, põe a nu fragilidades e nos pede um compromisso que desinstala.
No mês passado, estive presente numa reunião que se anunciava sem história, em que a pessoa que coordenava o encontro não teve qualquer pejo em dizer, como se de uma acusação se tratasse, que certas pessoas não deveriam ter vindo para Portugal se não sabiam português.
A insistência foi confrangedora e alguns dos presentes assinalaram o seu desacordo com o tom e com o conteúdo, que se desenvolvia em variantes como “não sei o que estão a fazer aqui”, “não sabem falar”, “não entendem nada”. Todos os comentários tinham e têm réplicas objetivas: “estão a estudar”, “ainda não sabem falar bem português”, “não entendem o que não se lhes explica”.
Sei por experiência que é difícil (muito difícil por vezes) lidar, na vida pessoal e profissional, com pessoas cuja língua não falamos e que não falam a nossa. Sem uma língua comum, o risco da incomunicabilidade é grande. Mas sei também que há outros códigos para além do linguístico e que, em condições normais, a aprendizagem de uma língua nova é apenas… uma questão de tempo. Tempo para ensinar, tempo para aprender, para estudar, para ser posto à prova no dia a dia, para perder a vergonha do erro…
Aprender a língua do país de acolhimento é absolutamente crucial para a integração de quem chega a um novo lugar para construir a sua vida. Nem sempre é possível preparar essa mudança em condições ideais. A história da emigração portuguesa mostra-nos como as aulas prévias de francês, inglês ou alemão, não são parte dos planos de quem prepara, com coragem e hesitação, a partida.
Promover o ensino da língua portuguesa é porventura uma das três linhas estratégicas essenciais da integração de estrangeiros (juntaria a habitação e o trabalho).
Mas sejamos claros: falamos dos estrangeiros que são “o elo mais fraco” da cadeia. Não se ouvem comentários como os que citei antes quando um jovem alemão ou uma estudante norte-americana se matriculam numa escola portuguesa sem saber (ainda) falar português.
Por isso, tantos cidadãos de países de língua portuguesa escolhem Portugal como destino, numa espécie de saída da sua casa para dentro de uma outra pátria. No conhecido texto A chama plural, Eduardo Lourenço referiu-se ao “amplo manto de uma língua comum, referente de culturas afins ou diversas”, um “espaço ideal onde todos quantos os acasos da História aproximou, se comunicam e se reconhecem na sua particularidade partilhada”.
São várias as dimensões da condição de estrangeiro e de estranho. São várias as dimensões da experiência vital de quem sente a tensão entre familiaridade e estranheza. Mesmo às vezes sem uma língua comum, acredito que a sociedade ganha com a consciência e a vivência de cada particularidade de uma cidadania partilhada.