A pressa de partilhar um tesouro
O Especial deste mês é dedicado à JMJ – Lisboa 2023. É o primeiro de três que a revista “Mensageiro de Santo António” apresentará aos seus leitores. O primeiro dá o Lá-Mi-Ré às Jornadas, por isso, fomos bater à porta do autor da letra do Hino desta JMJ: o Pe. João Paulo Vaz.
Sabíamos que era arriscado pedir um trabalho a quem está “cheio” de trabalhos, porém, confiando na sabedoria antiga, fomos pedir não a quem não tinha nada que fazer, mas a quem já tinha muito que fazer, porque sempre encontraria um tempito para nos atender. Eis resposta: “Partilho que gostei muito de escrever este texto. O Espírito Santo é muito nosso amigo!”.
Um Bem de que nos Podemos Orgulhar
Artigo de Pe. João Paulo Vaz

Dizem algumas definições, em diferentes dicionários, que a palavra “orgulho” significa: “manifestação do alto apreço ou conceito em que alguém se tem”; ou “brio”; ou “sentimento gerado pelo reconhecimento do valor de uma pessoa ou de algo, em geral, relativa a si próprio ou a alguma conquista pessoal”; entre outras. Normalmente, tem, até, associada uma conotação negativa… Mas, há pessoas, conquistas, coisas de que nos podemos e devemos orgulhar, não com a “vaidade” de quem se auto-engrandece, mas com a “humildade” de quem reconhece um bem atingido ou a atingir. Gosto de pensar que os nossos jovens, hoje, são um bem de que nos podemos e devemos orgulhar.
São-no, também, todas as iniciativas que os rodeiam e ajudam a manifestar, crescer e dar a sua medida. Somos capazes de grandes coisas − amorosamente grandes, à boa maneira de Cristo, por Ele e com Ele − e com elas nos devemos alegrar. Este é um “orgulho bom e sadio”, que nos permite ir mais longe e acreditar em processos que estão muito além das angústias e desesperos que cada tempo nos pode trazer (como estes que vivemos?…).
Os jovens, do hoje e aqui de cada realidade, são um futuro que queremos perspectivado pela fé, sonhado pela esperança e preparado pela caridade. Quando chegamos perto disto ou o conseguimos, há que experimentar e assumir esse “orgulho bom” como verdadeiro testemunho no mundo.
Este ano, dedicado, especialmente, aos jovens, no seu encontro com Cristo, e ao discernimento vocacional, bem como a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023 é algo de que nos devemos “orgulhar” como resposta da Igreja ao mundo, uma resposta sem igual, o maior encontro da história da humanidade, que tem Cristo no centro e os jovens, com o Papa, verdadeira Igreja, ao Seu redor, numa sinodalidade tão desejada e, aí, tão real. E são jovens – muitos! – que gritam o nome de Jesus sem receios, sem filtros, “sem para-quedas”.
Isso mesmo cantamos já, por todo o mundo: “Todos vão ouvir a nossa voz! Jesus vive e não nos deixa sós: não mais deixaremos de amar.” Assim o diz o Hino JMJ 2023, “Há Pressa no Ar” e isto nos deve encher de alegria.
O Hino da JMJ

Paremos um pouco na mensagem desta música, levada ao concurso do Hino da JMJ pela “Banda da Paróquia”, da Diocese de Coimbra, e da autoria de Pedro Ferreira (música) e Pe. João Paulo Vaz (letra), tentando perceber e acolhendo o que esteve na sua génese.
Chegamos a Lisboa 2023, depois de um percurso de muitos anos, que começou por vontade do Papa S. João Paulo II, em 1986, em Roma. As Jornadas Mundiais da Juventude tornaram-se um caminho da Igreja e em Igreja, acompanhando os jovens no seu crescimento e levando-os a uma maturidade que deixa as suas consequências (boas) no mundo.
Nenhuma JMJ acontece isoladamente, mas é parte de um caminho que a Igreja preconiza. Daí que, para além dos encontros mundiais da JMJ, que têm acontecido de dois em dois ou de três em três anos, temos sempre as “Jornadas” intermédias, de âmbito local ou diocesano, com uma proposta temática e de vivência para cada ano. Este é um caminho que não para, porque também não queremos que os nossos jovens parem.
Foi esta assumpção que esteve como ponto de partida para a nossa proposta de letra do Hino JMJ 2023. Fui buscar, então – e permiti-me, agora, que fale na primeira pessoa, como autor dessa letra – os temas propostos para cada ano pelo Papa Francisco, desde e incluindo o da JMJ Panamá 2019, para iluminar cada uma das estrofes propostas:
- 1ª estrofe – “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc. 1,38), para 2019, JMJ Panamá.
Saímos, partimos de todo o mundo, para chegar aqui, onde queremos ensaiar esse “sim”, como e com Maria: um sim à vontade do Pai, à identidade cristã, um sim a dar sempre, a servir, a estar no mundo nessa atitude, tal como fez Maria. - 2 ª estrofe – “Jovem, eu te digo, levanta-te!” (Lc. 7, 14), para 2020.
Se queremos dizer “sim”, como Maria, há que assumir a nossa realidade e ser essa Igreja em saída, que o Papa Francisco nos pede que sejamos (e os jovens à frente!).
Não sabemos tudo, precisamos conhecer e conhecermo-nos. Para isso, havemos de partir à descoberta, de nós mesmos e do que Deus colocou no nosso caminho, juntos. Somos convidados a olhar para além de nós mesmos e do que fazemos, em especial, para além daquilo que não nos deixa amar e ser felizes, num ato de coragem que não nos deixe olhar para trás, ficar presos num passado desconstruído, que não nos deixe dizer “não” à vida e ao amor.
Recentramos a vida, escutando o nosso coração, o “lugar” de Deus em nós, levantando-nos e partindo, determinados a fazer deste mundo uma casa melhor, uma tenda maior, tomando a iniciativa, não ficando para trás nesta missão. - 3 ª estrofe – “Levanta-te! Eu te constituo testemunha do que viste!” (Act. 26, 16), para 2021.
A vida e vinda de Jesus a nós foi e é um mistério e uma surpresa sem igual. Maria foi a primeira a acolher este mistério da presença real (e física) de Deus no meio de nós. Foi também a primeira a levar essa notícia aos outros (já o veremos na estrofe seguinte). Ela acolheu e testemunhou, com confiança inabalável e simplicidade, a certeza de que Deus ama e é por cada um de nós. Também nós (e os jovens à frente!) o havemos de testemunhar. Já não podemos calar o amor de Deus por nós, em Jesus, e, por isso, Lhe dizemos que conte connosco, porque estamos disposto a dizê-lo ao mundo, a começar pelos nossos lugares, para onde voltamos sempre. Não mais calaremos! - 4 ª estrofe – “Maria levantou-se e partiu apressadamente” (Lc. 1, 39), para JMJ Lisboa 2023, inicialmente prevista para 2022.
As formas como, atualmente, somos tentados e levados a viver nem sempre nos permitem essa disponibilidade interior de quem se põe a caminho só por causa dos outros (e/ou de levar Cristo aos outros). Também é verdade que nos perdemos cada vez mais, nas montanhas e vales da nossa existência, nos caminhos interiores do que somos.
Duvidamos de que somos capazes de responder aos desafios de vida; duvidamos da nossa capacidade de anunciar e levar Cristo aos outros; duvidamos, até, que essa seja uma proposta que os homens queiram escutar e acolher. Já não sabemos se Cristo tem lugar neste mundo e concluímos, por vezes e com alguma tristeza, que não somos nós a conseguir levá-l’O…
Mas, não é assim! Maria, “tão jovem”, sabia que era capaz, porque sabia Quem levava dentro de si. A questão não estava nela mesma, mas n’Aquele a Quem tinha dito “sim” e que, agora, trazia no seu ventre.
Se um dia dissemos “sim” a Cristo, passámos a trazê-l’O no nosso “ventre” e é daí que O levamos aos outros, como Maria O levou à sua prima Isabel. Não anunciamos nada que esteja fora de nós, fora das nossas vivências, fora da nossa experiência interior: anunciamos o que já é nosso. Por isso, é como Maria que, apressadamente, sem dúvidas dessa Presença, sem dúvidas da nossa capacidade de Lhe dizer “sim” e de O acolher, O levaremos aos outros, pelas montanhas, vales e caminhos da nossa existência, realidades e circunstâncias.
Mas, não termina aqui a maravilha da missão que assumimos. É que, do encontro com aqueles a quem levamos Cristo, brota a alegria, a saudação (ou salvação) e a comunhão. Passamos a viver bem, juntos, em função amorosa uns dos outros, servindo porque amamos, felizes, sabendo que a causa de tudo isto é e sempre será Aquele que levamos em nós, o “fruto bendito”. Também nós seremos felizes, porque acreditámos.
E, claro, tudo isto nos encaminha para esse refrão jubiloso em que manifestamos, juntos, a nossa vontade e as nossas certezas: “Todos vão ouvir a nossa voz, levantemos os braços, há pressa no ar! Jesus vive e não nos deixa sós: não mais deixaremos de amar!”
Queremos uma Igreja jovem

Peregrinação dos chefes de equipa de voluntários a Fátima. JMJ Lisboa 2023. Foto Sebastião Roxô, 23 Fev 2023.
Estamos todos envolvidos neste caminho para a Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa. Não são os jovens, mas toda a Igreja, que queremos que seja jovem, porque eles são Igreja.
Estas pistas, provocações e convites do Hino da JMJ 2023 alimentam-nos neste caminho e poderá ser uma boa motivação e preparação cantá-lo muitas vezes e fazer dele uma catequese.
Na verdade, esta reflexão diz respeito à nossa identidade cristã e os jovens são capazes de assumir tudo isto. E mostram-no em muitas ocasiões e circunstâncias (não só numa JMJ!).
Não será esta afirmação, então, configuradora de uma esperança maior para a Igreja e para o mundo? São tantos os jovens envolvidos, com entusiasmo e resiliência, por todo o País, na preparação dos Dias nas Dioceses e da JMJ.
Fazem-no para acolher e estar com jovens cristãos do mundo inteiro, para participar, dispostos a uma troca de experiências e testemunhos configurados pela fé e amizade com Cristo. O elo que liga todos e a preparação com a concretização é Jesus Cristo. E estes jovens sabem-no, dizem-no e, por isso, querem estar.
Naturalmente, sempre nos parece que é uma percentagem muito reduzida (quase ínfima) a daqueles jovens que estão envolvidos, quer na preparação e caminho, quer na participação. “São tão poucos os que aceitam!”, dizemo-lo, na leitura da realidade que nos envolve.
Provavelmente, sempre tivemos mais jovens (ou mais homens e mulheres) “fora” da Igreja do que “dentro”. Provavelmente, sempre tivemos uma percentagem reduzida de jovens (ou de homens e mulheres) a fazer o encontro com Cristo, a aceitar ser discípulos missionários, a assumir a sua pertença à Igreja e a corresponsabilidade.
Já o dizia a Parábola do Semeador! Infelizmente, a semente não caiu só na terra boa: alguma caiu no caminho calcado, outra em terreno pedregoso e outra, ainda, entre os espinhos; e a coisa não foi!… Mas, a semente era a mesma e, na terra boa, produziu (ou produz) “umas, cem; outras, sessenta; e outras, trinta” (Mt. 13, 8). Não duvidemos da qualidade da semente, a Palavra que dá vida, mas assumamos, com serenidade, humildade e sempre dispostos a voltar a semear, que nem todo o terreno produz, a não ser que seja preparado para isso: podemos sempre picar o caminho calcado e desfazer os torrões; podemos remover pedras e pedregulhos e aplanar a terra; podemos cortar e queimar os espinhos.
A terra boa prepara-se todos os anos e, frequentemente, é estrumada e fertilizada, para que produza bem. É isto que temos sempre de continuar a fazer, sem desistir: preparar o coração dos homens e mulheres (ou dos jovens) para acolher Jesus e poder dar frutos de paz, de alegria, de salvação; preparar esse terreno com a melhor alfaia de sempre – o amor.
E na vivência deste não há percentagens ínfimas. Os nossos jovens são (muito) capazes de amar e, por isso, de dizer “sim”, de se envolverem e comprometerem. Não temos os jovens todos envolvidos na JMJ 2023, é certo que não. Mas, temos as sementes, um Semeador que não deixa de semear e temos tantos outros que estão dispostos a trabalhar a terra. Talvez seja um bom objectivo para esta JMJ, antes, durante e depois: “preparar a terra” e “deixar os pousios”, de preferência com a criatividade juvenil.
Preocupemo-nos com as necessidades logísticas, económicas, temáticas, litúrgicas, o que for, que todo o processo da JMJ nos impõe, mas não deixemos de dizer que respondemos por Cristo e com Cristo, para que Ele Se faça vida em cada um. Falemos d’Ele e com Ele, em todo o processo.
Um Sonho que não acaba

Gosto muito de pensar que o grande acontecimento da JMJ – e experimentei-o, nas seis Jornadas Mundiais em que participei – faz os jovens sonhar com muito mais e que esses sonhos têm um “Fazedor”, que é Cristo.
Recordo um momento que muito me emocionou, na JMJ Paris 97: a Corrente da Fraternidade.
Basicamente, todos os jovens participantes nesta JMJ foram colocados em diferentes zonas, ruas e avenidas de Paris, rodeando a capital de França, numa corrente ininterrupta de cerca de 800.000 jovens, de mãos dadas, de costas para o centro da cidade (voltados para todo o mundo).
Às 12h00 em ponto, desse dia, e durante cinco minutos, o trânsito parou por completo, todos os sinos de Paris tocaram e os jovens, de mãos dadas, em silêncio completo, disseram ao mundo: estamos aqui, em comunhão de irmãos, com o nosso Jesus no centro das nossas vidas, dispostos a ir estrada fora, mundo fora, anunciar o Seu amor, servir e mostrar a todos que somos irmãos, que o mundo é a nossa casa e que a vida é para todos.
Recordo que chorei muito, emocionado, e vi outros chorar e tremer de emoção, experimentando uma responsabilidade amorosa que nunca antes tinham sentido. Isto fez-nos sonhar.
Quando me questiono sobre que sonhos acalentam os jovens, atualmente, concluo que não há um grande sonho comum, hoje, próprio da identidade juvenil.
Mas, sei que há muitos sonhos: a paz, a justiça, a igualdade, a simplicidade, a fraternidade. Há-de preocupar-nos muito a realidade de um jovem que não sonha. Sim, porque quem não sonha vive em desespero. A maior parte dos nossos caminhos de vida nascem dos sonhos e Deus Se manifesta aí também.
Procuremos, todos, carinhosamente, com todo o empenho, que esta Jornada Mundial da Juventude seja uma ocasião para que os nossos jovens sonhem muito.
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