Globalização económica, economias emergentes, economia parasitária

Na sua muito mal compreendida República, Platão situa o nascimento da economia, segundo a sua essência, quando, simbolicamente, dois seres humanos comunicaram pela primeira vez, trocando bens que a um sobravam e ao outro faltavam e reciprocamente.

É isto o que o fundamento da economia é sempre: uma troca de bens – que podem ser serviços – entre seres humanos. A economia, se bem que seja, toda ela, realização cultural humana, radica no que há de mais naturalmente profundo nos seres humanos, as suas necessidades, imediata ou mediatamente associadas à sua capacidade de a tais necessidades obviar, provendo bens.

Estes bens são os meios de que a humanidade dispõe para poder viver. Sem estes meios, não é possível sequer a sobrevivência da humanidade. Não há alternativa para a economia. Não se deve é confundir economia com modos de opressão de certas pessoas por outras, no que é, no limite, um processo de tipo parasitário que encerra em si as sementes da sua própria destruição: lembremo-nos do mito de Midas, dono de todo o ouro e de futuro nenhum.

Do ponto de vista do que cada universo humano é, independentemente do seu tamanho, a economia sempre foi global: da pequena aldeia, ao grande país, ao mundo hodierno em processo de integração total, o ato económico sempre se aplicou a todos, sempre a todos interessou, positiva ou negativamente.

Não é, assim, como se considera de um ponto de vista estulto, hodiernamente, que a economia se está a globalizar: esta está em processo de globalização desde que nasceu no seio da humanidade e como modo de vida universal da humanidade.

Aquilo a que se chama globalização da economia nada tem de novo em sentido fundamental; apenas o modo como o processo alastrou em tendência universal – que lhe é congénita – está realmente em causa, pois não se trata, na verdade, de um processo de globalização económica, no sentido natural anteriormente afirmado, mas de um processo de tipo parasitário, antitético, a longo prazo, da própria possibilidade da economia, por eliminação do seu objeto, o bem dos seres humanos.

No limite, o tipo de alastramento de uma economia parasitária – de matérias-primas, de pessoas –, ao não servir o bem de todos os que necessitam da economia, a si mesmo se enfraquece, pois elimina ou diminui os objetos do bem económico, que coincidem com os sujeitos humanos que laboram esse mesmo bem.

Universalizando o processo parasitário, é o próprio procedimento que a si mesmo se destrói.
Nada há de errado na globalização económica, aliás, necessária para que a humanidade, como tal, possa sobreviver. O que está errado é o modo como uma economia parasitária de coisas e pessoas procura impor-se no mundo.

Quando se trasladou a produção de certos bens para sítios em que se praticam formas mal-disfarçadas de escravatura, não apenas se lesou aqueles a quem tais postos de trabalho foram retirados como se criou uma nova forma de exploração de outros seres humanos, ainda que com a desculpa de que, deste modo, viveriam melhor.

Uma globalização económica que não fosse uma mera exportação de métodos parasitários de produção económica passaria, primeiro, por uma alteração universal das relações humanas, políticas, portanto, de modo a que fosse eliminado o modo parasitário de uns seres humanos se relacionarem com outros, explorando-os até à morte ou de modo a que não recebam dignamente do fruto do seu trabalho.

Subjacente à questão do modo perverso como a economia parasitária se expandiu no mundo está uma questão ética: como se relaciona o ser humano com o outro ser humano, que deveria ver como seu semelhante?

No que deveria ser uma economia mundial integrada, único modo de todos os bens necessários poderem estar ao alcance de todos os que deles necessitam (falamos de bens necessários, não de bens supérfluos, que fazem parte do modo parasitário como a humanidade se relaciona consigo própria e com o resto do mundo – política e ecologia), todos os seres humanos deveriam poder contribuir economicamente para o bem de todos e todos deveriam poder beneficiar em seu modo próprio de necessidade dos bens existentes.

Não se trata de uma utopia, mas do modo sábio de governar a relação entre necessidades e bens disponíveis para as anular, em termos mundiais. Complexo, sem dúvida, mas não impossível. Improvável, se os seres humanos, na sua grande maioria, continuarem a teimar no seu egoísmo parasitário.

Rei Midas: tudo o que tocava transformava-se em ouro.
Rei Midas: tudo o que tocava transformava-se em ouro.

Como Sodoma e Gomorra, a Cidade Globo tem em suas mãos a possibilidade de seu futuro. Sabemos o que a ausência de bem fez àquelas.

As ditas economias emergentes mais não são do que as economias que estão a ser atingidas pelo alastramento da forma parasitária de economia estando algumas delas a contribuir para esta mesma lógica suicida.

Não há qualquer obstáculo impeditivo de um bem-comum universal humano, exceto a estupidez humana, que conduz à maldade humana. Pergunte-se ao homem de ouro, o senhor Midas, que transformava em ouro tudo aquilo em que tocava.

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