No parágrafo 12 da Terceira exortação do Papa Francisco sobre o chamamento à santidade no mundo actual. Gaudet et Exsultate [Alegrai-vos e exultai], a propósito do carácter multiforme dos modelos de possível santidade, diz o Papa: “também o ‘génio feminino’ se manifesta em estilos femininos de santidade, indispensáveis para refletir a santidade de Deus neste mundo”.
Esta doutrina papal é profundamente clássica, no sentido em que funda a possibilidade de santidade humana como participação da santidade de Deus.
Em termos cristãos, a santidade humana, se bem que dependa da autonomia humana de um livre-arbítrio homólogo ao de Deus (Deus não força Job, Deus não força Maria), nunca acontece como se de um absoluto de nada proviesse.
A participação da santidade humana da santidade de Deus, isto é, do bem humano do bem de Deus, inicia-se no próprio ato da criação, em que Deus põe em toda a criatura isso que lhe permite prosseguir aquele que é o seu fim, fim que é outorgado como dom de possibilidade, nunca como algo determinante.

Deste modo, que é universal e necessário, não há criatura humana alguma que não seja, como possibilidade própria e desejo de Deus, chamada à santidade.
Todos podem ser santos; todos podem não ser santos, ninguém está determinado a ser santo. É este o drama antropológico, ético e político da santidade como possibilidade de melhor próprio para cada ser humano.
Esta é a boa nova, que é, em termos absolutos, coetânea do próprio ato de salvação e que é, em termos históricos, incarnada por Cristo como demonstração mundana de sua realização: para o cristão, a santidade não é uma mítica utopia, é isso que Cristo foi. É esta a razão pela qual a vida do cristão é uma “imitação de Cristo”, não no sentido de uma “macaqueação” do que Cristo foi, mas no sentido de que é através da assunção carnal do modelo de bondade ontológica, antropológica, ética e política de Cristo que se pode ser santo.
Mas Cristo, que é único como santo, não é o único santo. Nem sequer é o único santo impecado. Comummente, ignoramos a plenitude humana, porque divina, como realização do dom de possibilidade divina de santidade em Maria, da sua santidade. Mas ignoramos mal, muito mal.
Diz o Papa: “refletir a santidade de Deus neste mundo”. Ora, quem, simplesmente humano, o fez melhor do que Maria?
Deste modo, em sua simples humanidade – é uma Mulher, não é uma deusa –, Maria é a demonstração, não apenas da santidade de Deus no mundo, mas aquela que pode servir de modelo para a santidade de qualquer Mulher, pois são todas tão humanas como Maria. Apenas falta serem boas como ela foi. É só isso. Teoricamente, é só isso.
Na prática e pragmática da vida mundana, mantendo-se a simplicidade definidora dos princípios, a dificuldade revela-se, por vezes, esmagadora.

É perante esta grandeza negativa do que limita a vida concreta das Mulheres que as palavras de Francisco ganham um significado verdadeiramente transcendente e inspirado:
E precisamente em períodos nos quais as mulheres estiveram mais excluídas, o Espírito Santo suscitou santas, cujo fascínio provocou novos dinamismos espirituais e reformas importantes na Igreja”; poderia acrescentar-se, ainda, no mundo.
O fascínio que tais Mulheres suscitaram não se confunde com o maravilhamento psicológico devido a vaidades ruidosas e autolátricas, mas ao reflexo da santidade de Deus que a sua passagem pelo mundo foi.
Deus que se revela em sua grandeza de bondade – é isto a santidade infinita em Deus – através da bondade incarnada nos atos mundanos das Mulheres santas.
Mas não são apenas as Santas Mulheres oficiais que manifestam a santidade de Deus através da ação da santa carne humana no mundo; prossegue o Papa:
mas interessa-me sobretudo lembrar tantas mulheres desconhecidas ou esquecidas que sustentaram e transformaram, cada uma a seu modo, famílias e comunidades com a força do seu testemunho.
A santidade destas mulheres é desconhecida do mundo, mas não é desconhecida de Deus, do Espírito Santo que as suscitou à santidade e que, inteligência divina amorosa que é, se sorri perante tal bem, como quando, Trindade, sorriu para o mundo prístino acabado de criar e viu que era belo.
O ‘génio da mulher’, das Mulheres, é parte da “beleza multiforme que deriva do amor do Senhor”. Falta-nos a nós participar melhor desta divina inteligência capaz de ver todo o bem.
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