No coração do povo, Frei Bartolomeu dos Mártires ficou conhecido como arcebispo santo, pai dos pobres e dos enfermos.
No início do mês de janeiro de 2023, no convento de Coimbra, nós frades sorteamos os Santos e Beatos da JMJLisboa 2023, atribuindo um a cada um de nós (somos 11). Recebi o Frei Bartolomeu dos Mártires. Por ter nascido no mês de maio e ingressado numa ordem com uma matriz mariana acentuada, achei que podia ser o Santo que vamos encontrar neste mês de Maria.
Um jovem frade promissor

Bartolomeu Fernandes nasceu a 3 de maio de 1514 em Verdelha, Mártires, na região de Lisboa, no seio de uma família humilde. Com apenas 14 anos de idade fez a vestição na Ordem Dominicana, a 11 de Novembro de 1528, assumindo o nome de Frei Bartolomeu dos Mártires, nome da Paróquia onde tinha nascido. Estudou artes no Convento de São Domingos em Benfica e, aos 28 anos, em 1542, iniciou o seu primeiro curso de Teologia, no Convento da Batalha. É desse ano a referência aos seus primeiros trabalhos sobre a Suma Teológica de São Tomás de Aquino.
Bartolomeu tornou-se um jovem promissor, por isso os superiores pediram a intervenção do rei D. João III para que pudesse concorrer ao grau de Mestre na Universidade de Coimbra, onde terminou o seu magistério, em 1551.
Nesse mesmo ano, recebeu, em Salamanca, o grau de Mestre em Teologia, e, no ano seguinte, é chamado a Évora a fim de exercer a função de Mestre de D. António, futuro Prior do Crato e pretendente à coroa portuguesa. São anos em que o jovem frade dominicano se dedica não apenas às aulas de Teologia, mas também à pregação, à catequese e à participação ativa na vida da comunidade eclesial e política. A sua espiritualidade é fortemente marcada pelo contacto com o povo de Deus.
De frade a Arcebispo
Em 1557, torna-se Prior do Convento de Benfica, mas permanece no cargo por pouco tempo. Em 1558, D. Frei Baltasar Limpo, até então arcebispo de Braga, morre, sendo necessário nomear um substituto para a mais antiga diocese do reino. A escolha cai sobre Frei Bartolomeu pela sua formação e, sobretudo, pela necessidade de efetuar uma profunda reforma da Igreja. A cidade de Braga encontrava-se “a ferro e fogo” sob a influência de Baltasar Limpo e do Cabido da Sé empenhados nas atividades da Inquisição. A primeira grande revolução do arcebispo, recém-ordenado, foi a de restaurar a paz social na capital do arciprestado.
D. Frei Bartolomeu dos Mártires, preocupado com a pouca preparação do clero da Diocese e a falta de conhecimento da doutrina católica por parte dos fiéis resolveu escrever um catecismo. Este foi distribuído a todos os clérigos do Arcebispado de Braga. Estava dividido em duas partes. Na primeira faz uma exposição do Pai Nosso, da profissão de fé, dos Dez Mandamentos, dos pecados capitais e dos sacramentos. A segunda parte possuía práticas e sermões a serem lidos aos fiéis nos domingos e nos dias festivos. Uma obra que se difundiu por todo o país.
Com este catecismo, Frei Bartolomeu conseguiu atingir também as camadas mais simples da população, abordando a doutrina cristã de um modo acessível. Bartolomeu foi um dos defensores do princípio da correção fraterna, adotando a correção dos hereges em segredo, ao invés de enviá-los para o Santo Ofício ou de julgá-los em tribunais episcopais; com isso, tornava-se possível poupar o indivíduo de uma pena mais dura e da exposição pública.
Figura maior do Concílio de Trento
Frei Bartolomeu, Arcebispo de Braga e Primaz das Espanhas, graças ao seu vasto conhecimento teológico foi convocado para participar no Concílio de Trento, num momento muito delicado e turbulento da vida da Igreja Católica. Significativo foi o seu contributo para a reforma da vida “negligente” dos pastores (bispos e padres) e para a formação do clero e dos leigos através das visitas pastorais. Justamente foi apontado como uma das “figuras de destaque” do Concílio.
Esteve presente nas reuniões de 1562 e 1563, na qual apresentou 268 petições. Defendeu a primazia bracarense em oposição ao Arcebispo de Toledo e, posteriormente, procurou aplicar as normas de Trento através do Sínodo Provincial de 1566.
Ao regressar, encontrou muita resistência nas conservadoras estruturas eclesiásticas de Braga. Mas isso não o impediu de privilegiar a formação dos futuros presbíteros com a fundação de um seminário. Muito importantes no seu ministério episcopal foram as visitas pastorais. Realizou mais de 90 visitas em todas as 1260 paróquias que faziam parte da Arquidiocese de Braga que naquela época incorporava as dioceses de Bragança, Viana do Castelo e Vila Real.
Frei Bartolomeu dos Mártires foi um bispo popular, preocupado com as questões sociais e empenhado nas obras de caridade. Destacou-se por aplicar um verdadeiro programa de reforma pastoral do qual se destacam alguns vetores essenciais: o ensino da doutrina cristã e a obrigatoriedade da homilia.
Em 1582, resignou e retirou-se para Viana do Castelo que fazia parte do território da Arquidiocese de Braga. Oito anos depois, a 16 de julho de 1590, faleceu no Convento de Santa Cruz. Por sua vontade foi nesse convento que foram depositados os seus restos mortais. No coração do povo ficou conhecido como “arcebispo santo, pai dos pobres e dos enfermos”.
Bartolomeu dos Mártires foi declarado venerável, a 23 de março de 1845, pelo Papa Gregório XVI e beato, a 4 de novembro de 2001, por João Paulo II. Em 2016, o Papa Francisco autorizou a sua canonização sem a atribuição de um milagre e, a 10 de novembro de 2019, na Catedral de Braga, foi anunciada a sua santidade.
Em 2014, assinalaram-se os 500 anos do nascimento de Frei Bartolomeu
Nessa ocasião a Conferência Episcopal Portuguesa pronunciou-se realçando que o antigo bispo da região onde hoje estão as dioceses de Bragança-Miranda, Braga, Viana do Castelo e Vila Real, viveu “em tempos de uma enorme crise epocal” e foi “testemunha” de que “as reformas na Igreja não só são necessárias como possíveis”.
D. Manuel Clemente Cardeal-Patriarca de Lisboa, atualmente bispo da terra natal do Santo Frei Bartolomeu dos Mártires, lembrou a sua
notável obra de formação do clero e do povo de Deus e a sua grande proximidade, sendo um dos exemplos mais estimulantes de trabalho pastoral na história da Igreja em Portugal.
D. Jorge Ortiga, bispo emérito de Braga, lembrou que frei Bartolomeu dos Mártires foi um pioneiro nas reformas da Igreja, propondo por exemplo o uso do vernáculo (a língua local) na liturgia:
Parece que foi uma ideia dele… para ele era muito importante que os fiéis pudessem participar compreendendo aquilo que se estava a passar. Nesse aspeto é um homem pioneiro, sem dúvida, 400 anos antes do Concílio Vaticano II.
D. Anacleto Oliveira, o então bispo de Viana do Castelo, que levou a efeito um ano jubilar por altura do cinquentenário de Frei Bartolomeu dizia dele:
Era um pastor que, no dizer do Papa Francisco, cheirava às suas ovelhas, passava grande parte do ano no meio do seu povo e tinha também um amor arreigado, profundo para com os pobres, que perdurou até ao final da sua vida.
Patrono da JMJLisboa2023

Não sei com que critério foi escolhida a figura do Frei Bartolomeu dos Mártires para ser um dos patronos da JMJLisboa2023. Apraz-me, no entanto, saber que, na sua época, este jovem frade lisboeta, estudante em Coimbra, pastor a 360 graus num território que alcançava um terço do Portugal atual, “foi a voz mais autorizada e a que mais contribuiu para as reformas então propostas na Igreja”.
E não só! A sua reforma da Igreja, não passou como poderíamos pensar, apenas pelas estruturas, mas veio de dentro, para fora, de uma transformação interior, por uma maior fidelidade ao Evangelho e por um maior compromisso com o próprio Jesus Cristo.
Foto da capa: “um pastor que cheirava às suas ovelhas”: Estátua de Frei Bartolomeu dos Mártires, em Viana do Castelo. Foto de Joseolgon|Commons Wikimedia.
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