Frei Angelo Eliseu Moroni, uma vida ao serviço da Igreja, em Portugal

20 novembro 1947 – 28 abril 2023
Profissão Solene como Frade Menor Conventual – 4 abril 1974
Ordenação sacerdotal – 16 abril 1977
Responsável pela Redação do Mensageiro de Santo António, durante 19 anos, de 1991 a 2009

Ao início da noite de quinta-feira 27 de abril, o Senhor chamou a si o nosso amado frei Eliseu Moroni, de 75 anos. A Missa de corpo presente aconteceu na terça feira, 2 de Maio, às 11h, na Basílica de Santo António, em Pádua (Itália). Será sepultado no cemitério da sua terra natal (Vertova, Bergamo).

No dia 4 de Maio, quinta-feira, às 18h30, celebraremos a Missa do 7º dia, na igreja de Santo António dos Olivais, em Coimbra.

Um irmão e um amigo

Testemunho do Frei Severino Centomo, atual Chefe de Redação do Mensageiro de Santo António

Falar de um irmão e amigo, companheiro de tantos sonhos, projetos e lutas, na hora da despedida desta vida, não é fácil, porque o coração está tão cheio de emoções que as palavras saem com dificuldade.

Todavia, não é possível deixar passar sob silêncio uma figura que transbordou em simpatia, generosidade, altruísmo, fé e entusiasmo de vida. Ao estar ao seu lado, ficava-se contagiado pela alegria que emanava.

Impossível esquecer a graça de ter vivido com ele os seus primeiros anos passados em Portugal, em Coimbra – Santo António dos Olivais, de 1976 a 1982; anos cheios de fogo pela missão e que deixaram um sinal indelével nas pessoas que tiveram a graça de o conhecer e trabalhar com ele. A sua afabilidade e generosidade acima de tudo: com aquele sorriso que o caracterizava, conseguia ganhar a simpatia de toda a gente. A sua vocação franciscana e sacerdotal, assente sobre uma profunda humanidade, permitiu-lhe abrir caminhos de esperança, de confiança e de alegria. Não havia dificuldade que travasse um carácter forjado por uma educação ao amor familiar singelo e concreto, ao respeito e ao trabalho, à fé e ao sentido de responsabilidade.

Frei Eliseu soube adaptar-se muito bem à realidade portuguesa numa altura delicada, o pós 25 de abril de 1974, que abria um novo capítulo da vida social, política e religiosa do país. Os ventos renovadores do Concílio Vaticano II, que já sopravam com intensidade pelo mundo, começaram a investir a Igreja Portuguesa, numa sociedade sedenta de liberdade, de justiça e de participação ativa na vida pública. O Frei Eliseu, no seu dinamismo juvenil e paixão pelo Reino de Deus, encontrou terreno fértil para espalhar a boa nova da libertação e da alegria franciscana.

Depois de cinco anos em Coimbra, eis o novo campo de trabalho: o vale de Chelas em Lisboa, um bairro “periférico” na cidade, um aglomerado humano proveniente das zonas interiores do País e das antigas colónias portuguesas. Um tecido humano para reconstruir, harmonizar e fecundar com o fogo do Evangelho e da Caridade. Frei Eliseu e a comunidade franciscana que cuidou daquela nova paróquia do Patriarcado de Lisboa entenderam e acolheram o desafio que lhes tinha sido lançado e aí deram o melhor de si próprios.

Com o crescimento da fraternidade franciscana, tornou-se necessário implementar a promoção vocacional. Eis, então, novamente o espírito de disponibilidade do frei Eliseu: a partir novamente de Coimbra, na Casa de São Francisco, o empenho da animação vocacional e a redação da revista Mensageiro de Santo António. Com o seu entusiasmo, conseguiu criar uma rede significativa de contactos e de amizade que beneficiaram não só a comunidade franciscana conventual, mas as próprias comunidades humanas e cristãs que visitava e onde deixou grata memória.

A revista o Mensageiro de Santo António é-lhe grata pelo espírito de entrega com que soube conduzi-la e implementá-la e, sobretudo, pelo espírito de comunhão fraterna que soube criar entre colaboradores, assinantes e amigos, ao ponto de constituir uma verdadeira “família antoniana”.

Passados alguns anos, a maleabilidade da sua personalidade fez com que assumisse novamente o ministério pastoral na paróquia de Santo António dos Olivais em Coimbra, onde pode concretizar o seu grande amor por Santo António.

Finalmente, uma dúzia de anos, marcados pela vida conventual na Igreja dos Terceiros em Viseu e, novamente, na paróquia de S. Maximiliano Kolbe, em Lisboa. Estes anos foram marcados pelo acolhimento espiritual das pessoas e pelo serviço humilde à comunidade. Foram, também, os anos em que se manifestou a doença que, na sua evolução, o obrigou a voltar para Itália, onde acabaria por falecer. Neste último período, o seu testemunho de vida foi a paciência na tribulação e o sorriso que sempre brilhou no seu rosto, sinal de confiança no Senhor, ao qual tinha entregado totalmente a sua vida. Como Jesus, abandonado na cruz, também o frei Eliseu soube beber até ao fim o cálice amargo do sofrimento, por amor.


Nota biográfica

Frei Eliseu viveu em Portugal de 1977 a 2021.

  • Nasceu em Vertova, Bergamo, Itália, a 20 de novembro de 1947.
  • Entrou no seminário, em Rivoltella del Garda, Bergamo, a 29 de setembro de 1958.
  • Fez a profissão temporária, em Pádua, a 21 de setembro de 1966.
  • A profissão solene, em Pádua, a 4 de outubro de 1974.
  • Foi ordenado presbítero, em Pádua, a 16 de abril de 1977.

Comunidades onde viveu:

  • Em Monselice: 1976-1977.
  • Em Coimbra: 1977-1983 e 1987-1989 (Santo António dos Olivais); 1989-2001 (Casa de São Francisco, sede do Mensageiro de Santo António) e 2001-2005 (Pároco em Santo António dos Olivais).
  • Em Lisboa: 1983-1987 (Paróquia de São Maximiliano Kolbe, Vale de Chelas); 2013-2021 (São Maximiliano Kolbe e Santa Beatriz da Silva).
  • Em Viseu: 2005-2013 (Convento Franciscano da Igreja dos Terceiros).
  • Em S. Pietro di Barbozza: 2021-2023.

Dedicou-se a vários serviços e ministérios: pároco em Lisboa (1983-1987) e Coimbra (2001-2005), animador vocacional (1987-2000), delegado provincial dos frades 1989-2000), promotor do ecumenismo, padre espiritual do Seminário menor de Viseu (2005-2013) e, por largos anos, redator chefe da revista Mensageiro de Santo António.

Frei Eliseu foi responsável pela Redação do Mensageiro de Santo António durante 19 anos, de 1991 a 2009, sucedendo ao Frei Severino Centomo que desbravou a edição portuguesa nos anos de 1985 a 1990 e lhe sucedeu depois até aos dias de hoje.

Um frade empenhado em restaurar a Igreja na senda do Vaticano II

Frei Eliseu, Mário Martins, António Marujo, José Serra e Frei Severino

No editorial de janeiro 1991, do Mensageiro de Santo António, escrevia o Frei Eliseu:

Quando a Igreja revela incapacidade de compreensão do Tempo, os jornais lêem conflito. Se manifesta desatenção aos seus Sinais, os homens da Comunicação entendem recusa. E mesmo quando defende com fidelidade valores do espírito e do humanismo, vêem aí discurso tradicionalista, intransigente e inadequado.

O que é certo é que, no fim de contas, é a igreja a grande prejudicada, que da situação sai com a sua imagem deturpada. E no fundo porque não é capaz nem de comunicar uma mensagem, nem de testemunhar uma vida.

Quando entenderemos que a comunicação é fundamental para que “a Igreja se sinta real e intimamente ligada ao género humano e à sua História?” (Gaudium et Spes, 1).

E no Editorial de janeiro 2001 escrevia:

Basta ver como se instituiu e campeia entre nós aquilo que convencionalmente se chama o politicamente correcto, expressão que significa na maior parte das vezes o desvio que se entende conveniente ou necessário da verdade para a mentira, se esta é tida como politicamente correcta. As situações deste tipo são tão comuns, tão vulgares, que é fácil ver mentiras tidas como verdades e vice-versa.

E esta situação, mais típica da classe política, esvazia a democracia da sua essencialidade, fazendo com que o Povo, seu motor privilegiado, se alheie das coisas públicas e parta do princípio que não vale a pena envolver-se nas lutas políticas por mais nobres que sejam, se tudo se vai jogar, depois, em sede do politicamente correcto que, de degrau em degrau, se deforma até à corrupção.

Isto é, como diz o Papa na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, a 1 de Janeiro de 2001, “as luzes (do nosso tempo) estão ofuscadas por vastas e densas sombras”.

Esta realidade deriva do facto de os “modelos culturais do mundo ocidental” terem “levantando ferros do ancoradouro cristão”, indo “inspirar-se numa concepção secularizada e praticamente ateia da vida e em formas de individualismo radical. Trata-se de um fenómeno de vastas proporções, apoiado por poderosas campanhas nos ‘mass-media’, nas quais se procura transmitir estilos de vida, projectos sociais e económicos, e, em última análise, uma visão global da realidade que corroem por dentro diversos sistemas culturais e civilizações nobilíssimas.

Frei Eliseu era um comunicador entusiasta e sedutor tendo corrido o país de norte a sul para angariar assinantes muitos dos quais continuam até hoje. Frei Eliseu marcou uma linha editorial atenta aos Sinais dos Tempos, à restauração da Igreja e à justiça social, linha genuinamente franciscana, que seria continuada pela atual Redação como se pode depreender pelo editorial já assinado pelo Frei Severino, numa fase de transição, em dezembro de 2009.

… O significado profundo e teológico do Natal continua a desconcertar e desafiar a humanidade: Deus, que era rico, tomou-se pobre para nos enriquecer com a sua pobreza.

Noutro dia deparei-me com um texto do escritor moçambicano Mia Couto, que julgo muito significativo e condizente com o exemplo de Cristo, apesar de estar dirigido aos “nossos pobres ricos”. Cito uma passagem: “A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos. Mas ricos sem riqueza. Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados. Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro e dá emprego. Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro, ou pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele. A verdade é esta: são demasiado pobres os nossos ricos”.

Uma geração de jovens frades

Monsenhor Nunes Pereira - Frei Paulo Beretta - Frei Vitale Bommarco (Ministro Geral) - Frei Eliseu - Frei Severino Centomo
Monsenhor Nunes Pereira, Frei Paulo Beretta, Frei Vitale Bommarco (Ministro Geral), Frei Eliseu, Frei Severino Centomo

Houve uma geração de frades que nos anos 70 migraram de Itália para Portugal levados pelo mesmo impulso missionário que fez António migrar de Portugal para Itália. Chegaram pobres e sem estruturas de apoio como os primeiros frades que no século XIII migraram de Itália para Portugal enviados por São Francisco. Com o fogo no coração, movidos pelo sonho da missão, sem bolsa nem alforge, confiando apenas na providência e nas comunidades que os acolheram, o que fizeram foi notável. No entanto, por razões que ainda escapam à nossa visão, não surgiram novas vocações em número suficiente para que as comunidades dos frades se rejuvenescessem. Assim, como em tantas outras ordens religiosas a lei natural da morte vai paulatinamente fechando conventos e outras estruturas. São os ciclos da história, também da história da Igreja.

Caro Frei Eliseu, bem hajas pelo tanto que semeaste neste nosso Portugal e por teres tornado os nossos dias mais belos com o teu sorriso transparente e profundo. Agora que estás na Casa do Pai, na companhia do Frei João e do Frei Domingos, os outros dois frades portugalianos que te precederam no paraíso, roga por nós para que não desistamos do sonho e da utopia de Francisco e de António, o mesmo sonho de Jesus, o Cristo que, na sua Páscoa, faz novas todas as coisas.

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