Aconselho, admoesto e exorto os meus frades no Senhor Jesus Cristo que, quando vão pelo mundo, não litiguem e evitem as disputas de palavras, e não julguem os outros; mas sejam afáveis, pacíficos, modestos, doceis e humildes, falando honestamente com todos, tal como convém. (…) Em qualquer casa que entrem digam, em primeiro lugar: Paz a esta casa.
Da Regra Bulada de São Francisco, III
Há oitocentos anos, em plena quinta cruzada, São Francisco “guiado pelo Espírito”, atravessa com um companheiro as linhas inimigas muçulmanas pedindo para encontrar em Damieta o sultão do Egipto, Al Malik Al Kâmil. Tinham partido desarmados e sem provisões. Sabiam que arriscavam a vida, o martírio, mas esta hipótese não os fez retroceder. Nos Árabes viam homens e não inimigos, criaturas de Deus que tinham direito à Boa Nova do Evangelho.
No contexto de um conflito cruel como a Cruzada, Francisco escolhe o caminho evangélico da paz, da mansidão e do diálogo e assim acontece o seu encontro com Al Malik Al Kâmil. Os guardas tinham anunciado ao Sultão que dois homens mal vestidos, sem uniforme militar nem armadura ou arma alguma, do campo dos cruzados, desejavam ser recebidos por ele. Talvez movido pela curiosidade por este pedido fora do normal, acolheu-os tratando-os com grande hospitalidade, respeito e cortesia.
Este evento distante é, ainda hoje, para nós rico de ensinamentos. Francisco convida-nos, de facto, a viver e procurar continuamente, nas nossas mais variadas relações, a humanidade mais autêntica, como Jesus nos indica no Evangelho. Na Regra várias vezes dará indicações acerca do comportamento dos frades no mundo. Aliás na Regra demora-se sobre as atitudes dos frades em relação aos assim chamados “infiéis” ou “não cristãos”:
Os frades que vão entre os infiéis e os outros não cristãos, podem comportar-se espiritualmente no meio deles de dois modos. Um modo é que não façam litígios ou disputas, mas sejam sujeitos a toda a criatura humana por amor de Deus (1Pt 2,13) e confessem que são cristãos. O outro modo é que quando virem que agrada ao Senhor, anunciem a Palavra de Deus para que esses acreditem em Deus omnipotente Pai, Filho e Espirito Santo, Criador de todas as coisas, e no Filho Redentor e Salvador, e sejam batizados, e se tornem cristãos.
Da Regra não Bulada de São Francisco, XVI
O exemplo e as indicações de São Francisco continuam válidos. Esta é a forma de Vida e o comportamento a que nós frades somos chamados. Chamados a percorrer os caminhos deste mundo “como estrangeiros e peregrinos”, vendo em cada homem um irmão. Mas esta atitude, que deve ser um distintivo dos frades e de quem deseja sê-lo, é também a marca de todo o homem de boa vontade neste tempo marcado pela violência, arrogância e desprezo do outro.
É possível ir ao encontro daquele que é “diferente de nós”, com cortesia e humildade, superando medos e preconceitos. É possível relacionar-se com respeito, atenção e capacidade de escuta com aqueles que, por variados motivos, estão distantes da nossa fé ou cultura ou ambiente. É possível ser cristão e proclamar, com a própria vida, a beleza e a alegria do Evangelho. É possível viver em paz e mansidão na relação com todos.