Frades no Caminho de Santiago

Bienvenidos peregrinos!

Muitos dos leitores do Mensageiro dizem-me que gostam de saber “o que é que fazem os frades”. Por isso, quero falar-vos de uma experiência que desenvolvemos sempre no Verão, em Ponferrada (Espanha) e que é verdadeiramente significativa e singular.

Durante os meses de Verão, frades provenientes de várias nações, prestam aqui serviço num dos maiores e mais frequentados albergues ao longo do caminho francês de Santiago (St. Nicolas de Flue).

Durante os meses de Verão, frades provenientes de várias nações, prestam aqui serviço num dos maiores e mais frequentados albergues ao longo do caminho francês de Santiago (St. Nicolas de Flue).

Todos os anos este espaço acolhe e dá descanso a centenas de peregrinos a pé. A obra dos frades consiste na limpeza e a organização dos ambientes, mas, sobretudo, no acolhimento, na escuta e no acompanhamento dos peregrinos que por variados motivos põem a mochila às costas e se metem a caminho do Santuário de Compostela.

Os encontros são sempre intensos e cheios de admiração (ninguém espera encontrar jovens frades num albergue) e os diálogos tornam-se comoventes e confidenciais. Cada noite, a todos os peregrinos, os frades oferecem a possibilidade de um momento espiritual de oração. Esta experiência é sempre muito apreciada e proveitosa.

Entrevistámos o frei Nico, um jovem frade de Pádua que viveu em Ponferrada esta experiência.

Frei Nico, o que mais recordas destes dias em Ponferrada?

Uma frase: “Bienvenidos peregrinos!”. Quantas vezes repetimos esta saudação, vendo alargar-se um sorriso no rosto, dentro da fadiga do caminho de um dia. Com estas simples palavras acolhemos os peregrinos do Caminho de Santiago no albergue paroquial de Ponferrada.

Queres falar um pouco da experiência?

Sim, foi-me dada a oportunidade de partilhar durante 15 dias esta experiência com os frades de Espanha e de outras nações europeias. Um tempo muito simples, de fraternidade laboriosa, ombro a ombro com os “hospitalários” voluntários. A manhã era dedicada à limpeza diária do albergue (cerca de 140 camas) e a tarde ao acolhimento dos peregrinos que chegam cansados dos 20 ou 30 km percorridos nesse dia e dos muitos dias de caminho. O dia culmina com a Missa do peregrino, celebrada em várias línguas, e a bênção especial dada a cada um.

Portanto, é sobretudo um tempo de encontros. Chegam de todo o mundo, para caminhar, com as motivações mais variadas, com as histórias mais incríveis. Caminham, não muito mais que isto, simplesmente caminham. Mas caminhar significa movimento, saída de si, fadiga, encontro.

Nestes dias houve encontros que te marcaram?

Sim, muitos. Por exemplo o Andrea, um jovem professor de matemática e física num liceu, que está a redescobrir o valor da fadiga física depois de tantos anos exclusivamente sobre os livros.
A An-Men , uma jovem coreana, estudante de línguas, que encontrei a alguns metros do sacrário e que me perguntou: “o que é que esta ali dentro?”.

A Agnes, sueca, que há pouco começou a frequentar uma igreja pentecostal, e pede a Deus que a ajude a fazer a experiência de se enamorar por um rapaz. Histórias que caminham, se cruzam, se encontram.

Encontrei o Francesco e a Laura, que se conheceram no caminho há 2 anos atrás, e que “tinham de escolher repetir a experiência do caminho como viagem de núpcias”, dizem, para agradecer por tudo.

Ou como Philip, que caminhou por estas estradas o ano passado, e agora volta como “hospitalario” voluntário, “para retribuir”, diz.

Histórias de procura, pessoas que não se contentam, partem, caminham, procuram-se a si próprias. Há quem caminhe rezando o nome de Jesus, há quem não saiba em que acredita, mas o seu caminhar torna-se invocação.

Destes dias em Ponferrada que levas para casa?

O mistério do caminho, o coração cheio dos sorrisos e dos rostos de muitas pessoas. Para mim foi um dom muito grande estar ali, acolher, dar um pequeno copo de chá fresco, uma cadeira, um duche, uma cama, uma oração juntos. Coisas simples, coisas vitais.

Os peregrinos chegavam durante a tarde e na manhã seguinte partiam para uma nova viagem, no fundo como cada um de nós. Uma última saudação, um último sorriso. Provavelmente nunca mais nos veremos. Cada um pela sua estrada, continuando a cruzar-se com a dos outros.

Buen camiño, peregrinos! Dios los bendiga!”.

O Caminho Francês de Santiago

     Ponferrada fica no Caminho Francês de Santiago, também conhecido pelo Caminho das Estrelas. Desde a Idade Média que milhares de peregrinos, oriundos de toda a Europa, convergem para o Caminho Francês de Santiago, seguindo a Via Láctea rumo a Santiago de Compostela.
    Os quatro principais itinerários do Caminho de Santiago Francês são hoje considerados Património Cultural Europeu pela UNESCO. Três dessas rotas (Paris-Tours, Vézelay-Limoges e Le Puy-Conques) convergem em Saint-Jean-Pied-de-Port (SJPP), a localidade francesa onde mais peregrinos encetam o seu Caminho, entrando em Espanha por Roncesvalles. O quarto itinerário (Arles-Toulouse), conhecido pelo nome de Caminho Aragonês, entra em Espanha pelo porto de Samport e une-se ao itinerário que sai de SJPP em Puente la Reina. De SJPP são sensivelmente 800 mágicos quilómetros até se chegar a Santiago.
     Naturalmente que percorrer 800kms a pé, ou mesmo de bicicleta, não é tarefa fácil e exige, para além de muito esforço e perseverança, algum tempo livre. Portanto não é de estranhar que a localidade de onde partem mais peregrinos para percorrer o Caminho Francês de Santiago seja a galega Sarria, que dista 120kms de Santiago.
     Nós demoramos mais de um mês a chegar a Santiago, mas os nossos pés calcorrearam cada um dos 800km deste caminho de peregrinação milenar. Para nós o Caminho Francês de Santiago foi um caminho de reflexão, descoberta, aprendizagem, fé. Foi um caminho de desânimo, irritação, desalento, desconforto. Foi um caminho de alegria, riso, canto, jubilo. Foi um caminho de lágrimas, desilusões, tristezas, desapontamentos. Foi um caminho de coragem, perseverança, conquistas, Amor.

Alexandre e Anabela
https://www.vagamundos.pt/

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