Winston Churchill, em 21 de Outubro de 1942, enviou uma minuta ao seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, Anthony Eden, em que manifestava a sua esperança numa Europa unida (para ele, uns Estados Unidos da Europa), com as barreiras entre as nações grandemente minimizadas e a possibilidade de viagens sem restrição, isto é, como se não houvesse fronteiras. Lançou também aí as ideias de um Conselho da Europa e do estudo da economia europeia de forma integrada e de que as vozes dos vários povos fossem ouvidas, leia-se “efetivamente ouvidas”.
Uma Europa de povos e nações

Estando precisamente a meio da Segunda Guerra Mundial, Churchill percebeu que a única forma de evitar situações semelhantes, originadas na Europa, consistia em mudar radicalmente o modo como a Europa era constituída e governada. O sentido do seu pensamento aponta para uma unidade europeia, numa Europa de povos e nações, economicamente integrada e em que a coisa política seja pensada e agida em termos que sirvam a totalidade da Europa, isto é, dos seus povos e nações, sem excepção. Uma real comunidade, passe a redundância, de bem-comum.
Tal possibilidade, assumida como um desejo profundo pelo campeão da luta contra os fascismos, implica que se abandone uma mentalidade particularista sem que se abandone a realidade da diferença cultural: uma Europa de povos e nações é uma Europa que tem de ser constituída por e realizada por esses mesmos povos e nações, sem quaisquer formas de redução cultural – política incluída – de uns povos a outros, sem a eliminação de uns povos em benefício de outros, sem a escravização, sob qualquer forma, de uns povos a outros.
Para que tal desiderato se possa concretizar, há que criar unidade sem eliminar ou restringir a diferença. É este o papel fundamental do que Churchill entende por ouvir as vozes dos povos.
Não se trata de um exercício fútil de vozearia destinada a criar ruído para que as diferenças se abafem no caos de afirmações ou interrogações sem sentido, permitindo a forças oligárquicas ou tirânicas o seu exercício cuja finalidade é uma unidade, mas não das diferenças, antes, uma unificação forçada e violenta, que retira o poder aos povos pela eliminação da diferença que os ergue, e entrega esse mesmo poder aos que detêm a violência e os meios de a exercer.
Este exercício de violência ocorre sob muitos modos, alguns aparentemente benéficos para os povos, num movimento de ilusão que lhes dá um mundo de aparências e lhes retira o acesso à realidade, difícil, por vezes, mas rica do poder que a diferença, mãe de todo o real concreto, sempre consigo transporta. A igualdade mata porque mata isso que faz de cada ente, mormente do ser humano, irredutível.
É o governo da irredutibilidade dos povos e das culturas, como unidade dinâmica, mas em ato, do que uns e as outras são na sua diferença, que constitui a dificílima arte de que a Europa sempre careceu e de que a Europa continua carecendo.
A aplicabilidade desta arte necessita, antes de mais, de uma finalidade. Em termos puramente teóricos, esta finalidade poderia ser uma qualquer. Todavia, dado que se trata da finalidade atinente a povos e culturas, que, no pormenor concreto da sua realidade, se consubstanciam em pessoas e seus fins pessoais, não é aceitável que o fim para a Europa seja um fim qualquer. Esta finalidade tem de ser algo que sirva o bem de toda a Europa, de todas as pessoas que constituem a Europa.
Quem é uma pessoa europeia
Ora, aqui, encontramos um ponto fundamental: quem são estas pessoas? O mesmo é perguntar: o que é um europeu? Não se trata de verificar quem é que nasceu em espaço europeu ou recebeu de algum modo a titularidade europeia, mas de saber quem é que se identifica, como pessoa, como pessoa europeia?
Então, talvez a primeira grande finalidade da Europa resida em procurar identificar o que é isso de se ser europeu, não como coincidência política qualquer, mas como vontade e ação pessoal. A Europa coincidirá, então, com estas pessoas. É com estas pessoas que a Europa pode ser construída; é com estas pessoas que a Europa será construída.
Esta construção com estas pessoas não é, todavia, uma construção contra seja quem for. Não é contra os que não se identificam como europeus, mesmo tendo nascido em território europeu ou recebido a titularidade europeia de alguma outra forma. Não é contra os outros povos dos outros Continentes, das outras culturas, religiões. A construção da Europa não é contra coisa alguma, mas em favor dos Europeus e dos que queiram viver em paz com os Europeus, dos que quiserem, nestas condições, ser Europeus.
A Europa, como se depreende do pensamento de Churchill, é um lugar de liberdade, de paz. É um lugar, que é um complexíssimo ato, em que a tirania e a escravatura não fazem sentido porque, sendo os seres humanos todos diferentes, todos têm, no entanto a mesma grandeza antropológica estrutural básica, a mesma natureza, se se quiser, o que implica que nenhum tem o direito de sequer pensar que é mais humano do que qualquer outro, usando tal forma de pensamento para justificar atos de tiranização.
Este é o modelo de bem-comum que é produto da ação – muitas vezes por si própria atraiçoado – dos que construíram, na sequência fundamental dos princípios bíblicos e do melhor da tradição ética helénica, o sentido do fim da ação humana como bem-comum.
A Europa – como, aliás, o restante mundo – viverá apenas se for capaz de encontrar o caminho que produza o bem-comum.
Foto da capa: Robert Schuman (1886-1963), o homem que pensou a Europa. Nasceu no Luxemburgo, de ascendência alemã, assumiu a naturalidade francesa. A 9 de maio de 1950, nasceu a Declaração de Schuman, razão pela qual se celebra o Dia da Europa, a 9 de maio. Foto © União Europeia.
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