Coloco antecipadamente aspas neste título, porque ele é uma frase do sociólogo e filósofo francês, Edgar Morin, citada por Tolentino Mendonça, numa das suas crónicas na revista do semanário Expresso, chamada “O prazer de esperar” (1-3-2014).
É uma crónica em que se invocam os prazeres do tempo lento, mesmo que ele não seja de puro ócio, todavia sem nos enganarmos sobre uma impossível poética das filas de espera das repartições públicas.
A frase do título é parte da última frase desse texto e trago-a agora para este dezembro de dias curtos e longas e prosaicas esperas, que se misturam com uma outra espera cujo desenlace conhecemos de antemão: a espera pelo dia de Natal.
Já aqui escrevi sobre uma manhã a aguardar a vez num serviço da Segurança Social (“A declaração”, abril 2019), procuro constantemente fazer das esperas tempo útil (com um livro, uma tarefa, um e-mail adiado, por exemplo), mas a frase que remata a crónica de Tolentino Mendonça fala-me de algo diferente, ao desviar o foco do tempo antes para o momento após. O inesperado.
O inesperado não é necessariamente bom, mas o costume deu à palavra um sabor a novo e a sonho. Neste sentido, “esperar o inesperado” é ansiar pela surpresa, entregar-se confiante ao futuro, é conseguir desfrutar da incomum sensação do prazer de não saber tudo.
Nos nossos dias, não é fácil libertar-nos da planificação e do controlo; é preciso manter a agenda ativa, com todos os compromissos em dia, incluindo a programação dos contactos com outros intervenientes com quem nos cruzamos: os jogos dos campeonatos da modalidade desportiva que o filho faz, a consulta com os pais no hospital distrital, a reunião do grupo de música, o encontro dos antigos alunos do liceu, o jantar mensal só de homens, a reunião na paróquia do grupo de apoio social, a visita de fim de semana à madrinha que está no lar, e um longo e vário etecetera, consoante os reais destinos de cada um.
Nas cidades, o tempo escapa-nos entre os atrasos do metropolitano, os engarrafamentos diários de automóveis e de pessoas, os decibéis exagerados do comércio, os objetivos de vendas na empresa e as promoções a esgotar de prazo nos supermercados.
Nas vilas e aldeias, o tempo sobra-nos e essas promoções nos supermercados coexistem com as preocupações da faturação mínima do negócio de família, ir ao cabeleireiro na vila vizinha, compassos de espera agitada até à audição no Conservatório ou até ao minicampeonato de fim de período das turmas de natação.
O tempo, sabemo-lo bem mesmo sem muito pensar, é relativo. Que o tempo nos falte ou que nos sobeje não é em si um problema. Se algum problema há, creio, será que não o saibamos aproveitar, desfrutar, viver. E esses verbos estão pouco dependentes do implacável decurso das horas e dos dias. Aproveitar, desfrutar e viver relacionam-se com a esperança do desenlace (ou de muitos e sucessivos desenlaces, de cada segmento de expetativa com que construímos a existência) e com a consciência dessa esperança. Também já aqui falei de esperança (“Insistir na esperança”, julho 2019) e não são precisos nenhuns estudos de linguagem para entender a afinidade das duas palavras e suas derivadas: esperar e esperança. Será que conseguimos centrar-nos nelas gozando o decorrer do tempo e apreciando o encontro com o inesperado?
E o que fazer, então, daquela espera cujo desenlace conhecemos de antemão, a espera pelo dia de Natal?
Trazemos para este dezembro sentimentos misturados, como a massa na tijela de louça aguardando o óleo quente para ganhar em forma e em fofura. Um bocado de cansaço, uma pitada de inércia, umas voltas de monotonia. E subitamente tudo se perturba e renasce no óleo a ferver. Uma autêntica revolução transforma essa massa em sonhos, ao mesmo tempo expectáveis e inesperados.

Fritos, de forno ou de colher, que histórias nos contam os doces da mesa da Consoada! Todavia, não há nome mais poético que o dos sonhos. A leitora sorri agora porque não esquece nunca a fascinação nos olhos dos netos que aguardam a magia das mãos da avó (Cuidado, afasta-te, filho! O óleo é perigoso e pode saltar e queimar!) e o leitor sorri também, porque se lembrou da cozinha cheia das mulheres da família, espaço predileto das crianças mas onde, homens feitos, já não se atrevem a entrar (mas deveriam, mas deveriam…).
Olho para a mesa e fixo-me no prato dos sonhos. Que bom é vê-los amontoados suavemente depois de terem sido envolvidos em açúcar e canela. Os sonhos agarram-se com a ponta dos dedos e levam-se diretamente à boca, devagar, saboreando a textura que é feita do equilíbrio de massa e de ar.
Neste Natal, o inesperado pode concretizar-se com os cinco sentidos, e em qualquer lugar. Mas há um sítio que é o lugar privilegiado da surpresa e do espanto: o coração de cada um. Fiquemos um momento com esta ideia, façamos uma pausa antes de virar a página da revista. É este, o lugar. É seu, o coração.
É Natal, não deixe de esperar o inesperado.
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