Entre história e lenda: convento de Santo António dos Olivais

Quando, no século XI, Coimbra foi reconquistada aos mouros, o bispo e o alcaide da cidade concordaram em repovoá-la não apenas por famílias cristãs, mas também com igrejas e capelas, espalhadas por todo o território. Deste modo, também no subúrbio mais alto da cidade, viria a ser construída uma capela dedicada a Santo António Abade (ou Santo Antão), o santo cenobita que a Igreja considera o padroeiro dos animais domésticos. A capela foi construída no cimo de uma agradável colina cheia de vegetação, oliveiras e vinhas, chamada Monte dos Olivais que, com a construção da Capela, passou a ser chamada de “Santo Antão dos Olivais”.

Foi precisamente este lugar e esta capela que a rainha Dona Urraca achou por bem oferecer aos primeiros frades menores que acabavam de chegar a Portugal, vindos de Assis. Obviamente, os frades ficaram encantados quando, ao pedir, por amor de Deus, um abrigo, receberam o monte dos Olivais.

De facto, este lugar favorecia o recolhimento, a oração e a meditação; daqui podiam ir até à cidade, encontrar trabalho e pedir esmola para poderem viver e partilhar com santa alegria e caridade.

No começo, porém, as coisas não correram assim tão bem: as roupas andrajosas que vestiam, a língua estrangeira que falavam e o temor que incutiam por parecerem vagabundos ou hereges, provocaram uma vaga de rejeição. Foi graças à Corte Real e, em particular, à rainha Dona Urraca, que eles puderam ficar tranquilos naquele lugar.

Passado pouco tempo, porém, graças à sua humildade, ao serviço aos mais pobres e doentes, à sua alegria e à sincera piedade, conseguiram granjear a simpatia e a benevolência de todo o povo.

Apesar disso, a sua presença e o seu trabalho terão continuado a provocar alguma aversão e desconforto por parte daqueles que, em princípio, deveriam ter ficado mais felizes: os clérigos, ou seja, aqueles que possuíam o poder clerical e temiam perdê-lo, por causa desses frades leigos que pregavam a conversão e a testemunhavam com uma vida pobre, fraterna e casta.

De facto, a chegada dos franciscanos a Portugal trouxe a “novidade” do Evangelho a uma Igreja que, como por toda a Europa, estava demasiado ligada ao poder temporal e vivia fechada nos próprios interesses. Uma Igreja que “não via” a situação de miséria e de sofrimento em que o povo de Deus se encontrava.

Os frades, pelo contrário, saíam dos conventos para visitar e ajudar os pobres, os doentes e os prisioneiros. Por isso eram amados pelas pessoas simples, mas malvistos pelos nobres e pelo alto clero, que, quando muito, os toleravam.

Quando Fernando Martins de Bulhões, em 1220, pediu para se tornar frade menor e continuar o trabalho missionário dos Mártires de Marrocos, o convento que o acolheu não tinha muito a ver com o conceito que hoje nos evoca a palavra convento.

O convento de Santo Antão dos Olivais era composto por simples cabanas encostadas à capela de Santo Antão, que mal ofereciam abrigo contra as intempéries. O convento propriamente dito será construído alguns anos mais tarde, em 1232, já o irmão António se tornara Santo, de Lisboa, de Pádua e de todo o mundo.

Quando a fama do “Monte dos Olivais” começa a crescer, bem como o número de frades, decidem construir um novo convento, mais próximo da cidade, fora das muralhas, perto do rio Mondego.

Entretanto, começando o Monte dos Olivais a tornar-se um lugar de devoção e peregrinação popular, os cónegos da Sé mandam ampliar a igreja, agora dedicada a Santo António.

Os frades regressam a este lugar, em 1540, provenientes de uma nova província da ordem franciscana, chamada “Província da Piedade”, pertencente a uma reforma da mesma ordem. O convento é simples e pobre, mas tem condições para receber um bom número de frades e oferecer hospitalidade aos peregrinos e viajantes. Na sua quinta, existe uma fonte, chamada de Santo António, da qual jorra uma água límpida e saudável, que abastece toda a área e alegra as pessoas que lá vivem.

A presença franciscana marcou significativamente este local por três séculos, até 1834. Anota o historiador Correia Góis: “Este convento era uma forja do carisma franciscano: muitos dos seus filhos saíram daqui como missionários, pregadores, confessores, compartilhando a paixão pelo Reino e o serviço da caridade”.

Santo António dos Olivais no 1º quartel do sec. XX, postal ilustrado
Santo António dos Olivais no 1º quartel do sec. XX, postal ilustrado

Hoje, após o regresso dos frades menores conventuais, em 1974, o “Monte dos Olivais” voltou a florescer e continua a espalhar o perfume do Evangelho. Para a cidade de Coimbra, representa um lugar de espiritualidade e de acolhimento, um lugar onde é possível tocar com a mão o “desejo” de Santo António de fazer da sua vida algo de grande e belo ao serviço da Palavra e da Caridade.

Foto da capa: Igreja/convento de Santo António dos Olivais, em Coimbra. Foto MSA abril 2020.
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