O caminho sinodal faz-se com todos, mas no que toca às votações aquando do Sínodo dos Bispos, apenas cinco mulheres poderão votar. Muitos pensam que este é um passo em frente na demonstração do papel relevante das mulheres na Igreja, mas insuficiente. E os leigos, não contam?
No meio das várias conversas que temos sobre este assunto, parece-me que nos esquecemos de que o Espírito Santo é o protagonista da Vida da Igreja, mas, aparentemente, nem todos os crentes acreditam nisso.
A base dos relacionamentos na vida da Igreja Católica não tem outro fundamento que não seja a vida trinitária. À luz do dinamismo da vida no interior da Trindade, Jesus revela-nos que os relacionamentos trinitários constroem-se a partir de um incondicionado e recíproco dom-de-si-mesmo, do valor de um mútuo anulamento de cada um por amor e do esforço contínuo por uma total e intemporal comunhão. Será que a busca pela paridade de votos na Assembleia sobre a Sinodalidade é humana ou divina?
Nos anos 1960, Karl Rahner, um dos teólogos fundamentais do Vaticano II, no quarto volume das suas Investigações Teológicas (p. 79 da tradução inglesa) diz algo que deveria ter abalado mais a vida cristã do que abalou:
…os Cristãos, por toda a sua profissão ortodoxa da fé na Trindade, são quase meramente “monoteístas” na sua real existência religiosa. Poder-se-ia mesmo ousar afirmar que se a doutrina da Trindade fosse apagada como falsa, a maior parte da literatura religiosa ficaria inalterada nesse processo.
Sempre que o discurso sobre o sínodo, seja em que parte do mundo for, se orienta democraticamente, é como se os participantes não acreditassem na inspiração proveniente de Deus-Trindade. Será pela pouca consciência da essencialidade de vivermos cada vez mais e melhores relacionamentos ao modo trinitário?
Em A Trindade – Modelo Social, O que significam as relações trinitárias na vida em sociedade? (Cidade Nova, 2001), o P. Enrique Cambón questiona-se sobre as atitudes concretas a ter num diálogo em que o agir de cada um seja no sentido trinitário e concretiza:
- as pessoas não se exploram mutuamente;
- cada um procura deixar de lado o próprio desejo de sobressair e de se distinguir, para valorizar o outro e as suas legítimas conquistas como se fossem suas;
- os membros do grupo estão convencidos que o verdadeiro diálogo é feito por pessoas que sabem tanto calar com escutar, falando com as palavras e nos momentos oportunos;
- cada contributo, cada juízo, são feitos não “contra”, mas “para”, isto é, não por ideias preconcebidas, ou para fazer prevalecer a todo o custo a própria posição, mas em sentido construtivo, sobretudo quando se devem expor ideias divergentes;
- esta atitude, tem influência sobre o modo como se fala: muitas vezes a posição do corpo, a expressão do rosto ou o tom de voz têm muita importância na troca de opiniões e de conhecimentos, porque criam obstáculos ou favorecem as disposições psicológicas e a consequente possibilidade de abertura mental e de recíproca compreensão da verdade;
- ao mesmo tempo, cada um, não se procurando a si próprio mas à verdade, coloca-se numa atitude de “serena vulnerabilidade” para se deixar também corrigir, sem susceptibilidades, pronto a reconhecer os seus próprios erros ou limites e a mudar cada vez que for necessário;
- num grupo assim, há igualdade entre todos e participação por parte de todos, no sentido em que nenhum impõe o seu ponto de vista, e escuta-se cada um – até o menos experiente ou menos capaz – com igual interesse e seriedade.
É lícito questionar se alguma vez chegámos ao ponto de a Igreja ter sido trinitocrática, porque orientada pela vida trinitária, em vez de democrática.
Talvez seja esse o desejo profundo de muitos e alguns poderão ter escutado a Voz do Espírito Santo e oferecido com inteligência espiritual sinais do caminho a seguir. Mas os abusos sexuais e de poder, diminuem muito o testemunho que podemos dar da ação do Espírito Santo. Porém, faz-me lembrar Jesus quando diz aos Apóstolos em mar revolto — “porque temeis, homens de pouca fé?” (Mt 8, 26).
A leitura que o P. Cambón faz do agir humano ao modo trinitário é muito simples, concreta e praticável. E mais do que fortalecer os nossos relacionamentos, abre no coração o espaço para encontrarmos a presença de Deus-Trindade em tudo o que fazemos.Um Deus-Trindade que Rahner pensava estar perdido e que acabamos por descobrir que perdidos estávamos nós.
A misericórdia não oferece uma segunda oportunidade, mas infinitas. E o caminho sinodal perdurará se vivido trinitariamente.
Foto da capa: Hospitalidade de Sara e Abraão aos três estrangeiros, junto ao carvalho de Mambré e cena do sacrifício de Isaac. Os três estrangeiros representados como anjos, são tradicionalmente associados à Santíssima Trindade. Mosaico na Basílica de San Vitale, Ravenna, Emilia-Romagna, Italia. Foto de Roger Culos, 2015.