Economia de Francisco: A Economia ao serviço do bem comum

A crise pandémica com as consequentes sequelas nas áreas sociais, económica e cultural veio por em evidência as fragilidades de uma sociedade eminentemente capitalista em que o lucro e o mercado continuam a ser dominantes.

A verdade é que apesar de alguns esforços, nomeadamente do sector social, a vertente económica sem sentido do bem comum, tem estado no centro das desigualdades e das assimetrias na distribuição do rendimento. Estas desigualdades são por demais evidentes no acesso ao ensino ou à saúde, às diferenças no usufruto dos bens públicos e mesmo às formas assimétricas de beneficiar dos direitos de cidadania.

No prefácio do livro Poder e Dinheiro – A Justiça Social Segundo Bergoglio, escrito pelo jornalista Michele Zanzucchi, lançado em 2018, o próprio papa Francisco diz:

Primeiro como um simples cristão, depois como religioso e sacerdote, e agora como Papa, considero que as questões sociais e económicas não podem ser estranhas à mensagem do Evangelho.

Segundo o Papa, a crise mundial, que envolve as finanças e a economia, resulta, acima de tudo, da “grave carência de perspetiva antropológica, reduzindo o Homem a uma única das suas exigências: o consumo. O próprio ser humano é visto como um bem de consumo e portanto descartável”. Esta perversão, a que Francisco dá o nome de “cultura do desperdício”, provocada pela autonomia absoluta dos mercados deixados a si próprios e pela especulação financeira, nega ao Estado o direito de controlo e a sua inalienável responsabilidade de prover ao bem comum.

A economia sem sentido do bem comum,
tem estado no centro
das desigualdades e das assimetrias
na distribuição do rendimento

Além disso, a dívida e o crédito afastam os países da sua economia real e os cidadãos do seu poder de compra. De facto, é fácil criar dinheiro, mas o que está a ser criado é dinheiro que é dívida. Ora, uma economia baseada na expansão infinita de consumo e alimentada pela dívida permanente é, ecologicamente insustentável, socialmente problemática e economicamente instável.

De acordo com o nº 74 da Gaudium et Spes, “o bem comum corresponde ao conjunto daquelas condições de vida social que permitem às pessoas, às famílias e aos grupos alcançar mais plena e facilmente a sua própria perfeição”.

Por outras palavras, o bem comum é a própria aproximação à perfeição do ato humano, considerado quer na sua ação individual – ética – quer na sua dimensão coletiva – política – que, necessariamente, implica a possibilidade de bem para todas as pessoas.

Se atentarmos ao que é próprio da riqueza humana perceberemos que, de facto, a única e verdadeira riqueza humana é de natureza ontológica: o meu ser é a minha grande e única riqueza e a fonte matricial de qualquer outra riqueza possível. Essa outra possível riqueza é sempre do domínio da relação entre as pessoas e necessita de meios para que possa ser produzida. Tais meios são os instrumentos de que o ser humano dispõe para construir a sua existência encarnada, na forma da economia, esta sempre dependente do trabalho e da técnica.

A economia nasce da não-autarquia humana e da possibilidade da anulação das carências individuais, o que implica necessariamente a relação entre seres humanos. A base de toda a política é uma relação económica, mas toda a economia é essencial e substancialmente política. Assim sendo, o modelo paradigmático da polis é o lugar da imperfeição perfectível pelo que a cidade não está condenada a ser imperfeita para sempre. Pelo contrário, constitui-se na única possibilidade de superação da mesma imperfeição através da cooperação entre todas as imperfeições, no sentido de uma perfeição comum atual: o bem comum.

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