Num restaurante entra um casal. Depois de se sentarem, a primeira coisa que fazem é colocar os smartphones em cima da mesa.
É um gesto comum a uma boa parte de nós nas mais diversas situações, mas é um gesto que está a drenar do nosso cérebro a sua capacidade para a atenção e são pouco os que se dão conta disso ou, talvez, menos ainda os que acreditam em tal coisa.
Adrian Ward e colegas da Universidade de Austin no Texas (EUA) também duvidaram e decidiram realizar um estudo (1) para avaliar esse efeito e a conclusão foi: a mera presença dos smartphones diminui a capacidade cognitiva que temos disponível.
Ward e os colegas fizeram duas experiências. Numa das experiências pediram às pessoas que colocassem os seus smartphones:
- ao lado e à vista;
- próximo, mas fora de vista (por exemplo, dentro do bolso);
- fora de vista com o telemóvel numa outra sala.
Depois de terem pedido para realizar duas tarefas destinadas a medir a capacidade cognitiva, os resultados mostraram que a mera presença do smartphone, mesmo que não o usem, é suficiente para afetar essa capacidade.
Na segunda experiência, os investigadores quiseram juntar à capacidade cognitiva, a capacidade de manter a atenção mediante a dependência que as pessoas tinham do seu smartphone. Nesta experiência não encontraram qualquer relação.
A conclusão é a de que a mera presença do telemóvel afeta a nossa capacidade cognitiva, drenando o nosso cérebro.
Porém, a experiência do autor britânico Andrew Sullivan mostra como o efeito pode ir mais longe.
Durante um período de intensa interação online através do seu blog, Andrew Sullivan entrou num ritmo alucinante para se re-inventar como escritor na era da internet, sem conseguir re-inventar-se como ser humano nas mais simples coisas:
Eu tentei ler livros, mas essa capacidade começava agora a eludir-me. Depois de duas páginas, os meus dedos contraíam-se como fazem com um teclado. (…) Mas ao longo do tempo neste penetrante mundo virtual, o clamor online crescia e ensurdecia. Apesar de gastar horas todos os dias, sozinho e silencioso, agarrado ao portátil, sentia como se estivesse no meio da cacofonia de uma multidão de palavras e imagens, sons e ideias, emoções e tiradas – um túnel de vento de ruído mortificante e ensurdecedor. Tanto daquilo era irresistível, tal como compreendia. Tanto daquilo era irreversível, tal como sabia. Mas eu comecei a temer que este novo modo de viver estava, de facto, a tornar-se num modo de não-viver.
As experiências de Ward e o testemunho de Sullivan fazem-me pensar nas pessoas que numa missa ou momento de oração, regularmente puxam do seu telemóvel, não para usarem uma App com a Liturgia do dia, mas WhatsApp e afins.
A tecnologia afeta profundamente a nossa visão do mundo, mas pela elevada interação com as coisas mais simples do nosso quotidiano, afeta mais ainda o nosso estar no mundo.
Ser cristão implica estar no mundo sem ser do mundo (Jo 15, 19), mas o uso recorrente dos smartphones nos momentos dedicados ao aprofundamento da nossa união com Deus pode começar a afetar a nossa capacidade cognitiva de estar no mundo e ler o sinais que Deus nos dá a todo o momento. Distraímo-nos com a virtualidade presente nas nossas mãos e até estamos bem com isso. E, sem nos darmos conta, aquele momento que podia ser transformativo começa a fazer parte de uma lista de tarefas cumpridas, mas pouco vividas.
Como dizia Sullivan, a tecnologia de comunicação que temos nas nossas mãos é irresistível e irreversível, pelo que muitos a têm usado com fins nobres pensando que isso significa modernizar a vida espiritual.
Quando vejo os meus estudantes encostados às paredes dos corredores à espera que chegue para dar aula, imersos no pequeno ecrã e alienados do raro canto dos pássaros ou perdendo a oportunidade de ler um livro, questiono: é à ininterrupta comunicação digital que queremos reduzir a vida moderna?
Deus fala ao coração, que não se restringe ao órgão que bombeia o sangue pelo corpo, ou às emoções que se expressam na alteração do seu palpitar. O coração envolve todo o nosso ser que é corpo-mente-espírito. Não é por acaso que “mente” aparece como a palavra no meio. A “mente” é a mediadora entre o corpo e o espírito garantindo a sua unidade indivisível.
Se uma certa tecnologia afeta a nossa mente, o que podemos esperar da evolução da nossa vida espiritual?