A força da Palavra é tema a considerar de vários ângulos. A Palavra, independentemente dos códigos que usa, é condição não só de comunicação, mas da relação humana. Nesse sentido, é condição do existir (ex-essere), do ser para fora, do ser para os outros.
Não há relação sem linguagem, sem palavra, sem códigos que possibilitem a comunicação. O palavreamento, como dizia um dos participantes da Mesa Redonda, torna possível o ser para, o existir. Toda a gramática da vida se conjuga nesse palavreamento, absolutamente crucial. É na Palavra que eu me exponho, que me revelo, num desafio permanente de busca de interlocutor e de resposta, que de alguma forma me dá possibilidade de eu existir. Como dizia Emannuel Levinas, “eu sou o outro lado do outro”. É o outro que me tira da solidão de ser, que me dá possibilidade de existir.
A Palavra ganha outra dimensão, quando vem do lado de lá, quando o Divino entra em relação com o ser humano e pede resposta. Quando o Divino procura relação (e é sempre o Divino que procura e dá o primeiro passo). Se o totalmente Outro fala, do lado de cá só pode haver uma atitude: escutar. Estamos no campo da fé.
Para Abraão e todos os crentes o primeiro verbo da fé é: escutar. Perante Deus que fala (seja qual for o código que usa: palavras, acontecimentos, a vida, a história), o crente obedece e segue os caminhos que ele nem sabe para onde o levam: Abraão deixa a tua terra e vai. Escutar, deixar, sair e ir para onde a Palavra me envia, são os verbos da fé que o crente tem de aprender a conjugar na primeira pessoa.
Por mais paradoxal que pareça, o que escuta, o crente, numa atitude de obediência (ob-audire: ouvir o que vem de fora) tira Deus da sua solidão. Nós acreditamos num Deus que fala para nós, um Deus connosco (Emanuel). Somos monoteístas de um Deus de proximidade (ao contrário de outros monoteísmos), tão próximo que se revelou, se comunicou com os códigos humanos. É Hubaut, especialista da espiritualidade franciscana, que afirma: “Jesus Cristo é Deus através do humano”. É a PALAVRA que se fez carne, história, proximidade.
A força da palavra de António de Lisboa revela-se num contexto de grandes mudanças epocais. Estamos na passagem do Feudalismo para a cultura das cidades, na passagem de uma sociedade eminentemente vertical e classista, para uma sociedade participativa, fraterna, com ânsias de liberdade, uma sociedade em ação e movimento, muito diferente da sociedade estável e fechada do Feudalismo.
A cristandade, longe dos feudos e da Igreja feudal sem capacidade de dar uma resposta evangélica aos novos tempos, descobriu a riqueza da Palavra, da Bíblia que veio para o meio da sociedade através de pregadores ambulantes pertencentes aos Movimentos Pauperísticos que anunciavam a Palavra em vernáculo, tanto homens como mulheres, muitas vezes com críticas contundentes à Igreja e à hierarquia. As heresias eram o perigo permanente.
Dentro deste movimento, Francisco e Clara representavam o grupo tão radical como os outros, mas sempre confiando na santa Madre Igreja onde foram procurar aprovação para anunciar a Palavra.
Santo António, o doutor de Santa Cruz de Coimbra, com a melhor bagagem científica própria da época como é visível nos Sermões, conhecedor (de cor – par coeur) da Bíblia, foi escolhido por Francisco como primeiro teólogo da Ordem Franciscana e pregador “oficial” da Igreja, para catequisar o povo cristão e combater toda a espécie de heresias, com a força da sua palavra.
Foto da capa: Santo António prega da nogueira, pormenor do ícone de Santo António, de Andrea Trebbi, Basílica de Santo António, Pádua, Itália.