Partilho convosco algumas linhas de uma recente leitura.
É bom que ninguém queira ser o último. E é melhor que todos queiramos ser os primeiros, ainda que não o digamos […]. E digo que tudo isto é bom porque o desejo de superação é o motor do progresso, do crescimento, da conquista de tantas aspirações que farão o mundo mais habitável e mais feliz. O problema que acarreta este facto que acabo de indicar, está em que, como bem sabemos, o empenho por estar, já seja por cima, já seja por diante, dos outros, é importante, é necessário. Mas ocorre que esta importância e esta necessidade é, não só o motor do progresso, mas também e inevitavelmente é igualmente o motor da desigualdade. Mas, atenção! Digo-o uma vez mais: não é o mesmo a desigualdade do que a diferença. A diferença é um facto. A igualdade é um direito. Homens e mulheres são diferentes. Mas não têm que ser desiguais.
José Maria Castilho, no Blogue Teología sin censura, 18/06/2018
Vem esta citação a propósito de acontecimentos recentes. Todos certamente ouvimos, lemos ou vimos como um barco, o Aquarius, carregado de refugiados (utilizo a expressão ‘carregado’ porque, apesar de ela não ser própria para falar de pessoas, traduz bem a situação em que estas pessoas refugiadas se encontravam), andou quase perdido à deriva por não ter um porto de abrigo que o acolhesse.
Que Europa, que humanidade estamos a construir?
Finalmente, parece que as portas se abriram e algo de novo pode começar a acontecer na vida destas pessoas. Este final, apesar de positivo, não pode, contudo, deixar de nos envergonhar.
Como é possível que o mar Mediterrâneo esteja a tornar-se, para tantas pessoas, não o fim de uma jornada de fuga da morte e de procura de uma possibilidade de vida, mas o fim da jornada, porque para muitos a sua vida acaba ali?
Que Europa estamos a construir? Que humanidade queremos ser? Estas perguntas não podem deixar de ser feitas, até porque cada vez estão a soar mais alto.
São tão igualmente pessoas como nós

Não podemos ser ingénuos ao ponto de pensar que a complexidade desta situação tenha soluções muito fáceis. E sabemos bem como muitos pretendem aproveitar-se dela para levar a cabo outros projetos que pouco ou nada têm a ver com estas pessoas concretas.
Mas isso não nos pode impedir de perceber que esses que assim chegam as nossas fronteiras são tão pessoas como nós. Pessoas diferentes, sim. Mas, repito, tão pessoas como nós.
Podem até pensar de maneira diferente, acreditar de maneira diferente, vestir e falar de maneira diferente, terem mesmo valores que não são iguais aos que fundamentam as nossas decisões, mas, apesar de todas essas diferenças, são tão igualmente pessoas como nós.
A experiência da debilidade torna-nos humanos
E para os que nos dizemos cristãos, esta realidade tem ainda outro peso. E volto de novo à partilha da leitura.
O Deus do cristianismo é um Deus que se humanizou, em Jesus o Senhor. E nisso se tem de centrar o nosso projeto de vida: em ser cada dia mais humanos. Estando isto suposto a pergunta capital é esta: o que é que mais nos humaniza? Esta pergunta não se responde desde o saber, mas desde a experiência.
E a experiência diz-nos o que disse Jesus: ‘os últimos serão os primeiros’ (Mc 10, 31; Mt 19, 30; Lc 13, 30).
As crianças, os doentes, os inválidos, os mendigos… [os refugiados acrescento eu], todos os que, segundo a sua condição, só têm a sua limitada humanidade, esses são os que nos fazem sentir e viver os nossos melhores sentimentos humanitários. […].
Perante a debilidade humanizamo-nos. Por isso, o débil, o último, o pequeno está no centro do Evangelho.
Se queremos ser os primeiros, os melhores, cuidemos dos pequenos e dos últimos
Em bom rigor, a chamada, por alguns, crise do Aquarius aponta muito para além dela, levando-nos a perceber que estamos perante uma crise da própria humanidade.
Do acolhimento e cuidado que formos capazes de dar a estas pessoas depende muito o rosto da humanidade que queremos ser e, para os cristãos, depende muito o rosto e a verdade da sua fé.
Queremos ser os melhores, os primeiros, para poder concretizar as nossas melhores aspirações, individualmente e enquanto humanidade; então demos atenção e cuidemos dos pequenos e dos últimos.
Podem ser diferentes, mas são tão pessoas como nós.
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