Diálogo e criatividade. Uma viagem…

Que mundo, que igreja (igrejas) está (estão) a emergir depois da noite?
Ainda não se abrem os sinais de uma aurora capaz de dar luz e relevo ao que foi germinando na longa noite do silêncio e do isolamento, mas uma coisa será verdadeira. Algo de novo tem que acontecer para que a humanidade possa surgir aberta ao futuro.

Uma nova linha de diálogo está escancarada diante de nós: como dialogar com a fragilidade? Sempre a escamoteámos nos sonhos de progresso e de bem-estar. Sempre a esquecemos nos projetos e passamos ao lado nas memórias. Mas o desafio ai está.

E que diz o Espírito às igrejas?

Talvez possamos abrir o Apocalipse para esse exame de consciência que nos fará olhar para os caminhos andados e nos ajudará e descortinar os caminhos imprevisíveis do futuro.

Eu sou o Primeiro e o Último e o que vive. Pois estive morto e eis-me de novo vivo pelos séculos dos séculos…

(Ap 1,17)

O Papa Francisco deixa, na Evangelii Gaudium, um extenso articulado sobre o diálogo:

Diálogo com os estados, com a sociedade – que inclui o diálogo com as culturas e as ciência e com os outros crentes que não fazem parte da Igreja Católica.

(EG, 238)

Estamos mergulhados numa lógica de encontro e não de domínio. Seria, no dizer de Zigmunt Bauman numa entrevista publicada no jornal Avvenire, em 29 de outubro de 2014, a ultrapassagem do monólogo e do diálogo para falarmos de “polílogo”. Um diálogo sem barreiras, sem limites.

No tocante ao diálogo inter-religioso o Papa Francisco abre o leque do ecumenismo para lá das fronteiras cristãs, abarcando todas as experiências religiosas e mesmo as correntes humanistas que rejeitam Deus:

Como crentes sentimo-nos também próximos daqueles que não se reconhecendo em qualquer tradição religiosa buscam sinceramente a verdade, a bondade e a beleza que para nós tem a sua máxima expressão e a sua fonte em Deus. Sentimo-los como preciosos aliados no compromisso pela defesa da dignidade humana, na construção de uma convivência pacífica entre os povos e na guarda da criação.

(EG 257)

As experiências religiosas, todas elas, foram confrontadas com a dura experiência da fragilidade de muitas das suas propostas. Qual o mistério e a autenticidade que vai prolongar-se e dar sentido à experiência do sagrado?

Nada teremos que aprender e rever depois deste tempo de silêncio de gestos e de ritos?

Daremos um salto para a frente, numa visão realista de sentido ou vamos quedar-nos na repetição do que fomos, entregando o selo de autenticidade a experiências ultrapassadas, gastas? Estaremos condenados a ser fermento que já não fermenta, sal corrompido?

Qual a criatividade que vai emergir no interior desta igreja e das diferentes experiências religiosas?

Escritas antes deste tempo, vale a pena meditar as sugestões de Javier Melloni no seu livro: Para um tempo de síntese: uma proposta de diálogo e de encontro. É do capítulo I, 6 a transcrição que deixo como desafio e reflexão.

“As religiões devem conduzir os humanos para um mistério sempre maior que as desinstala incessantemente para lá de si mesmas. A verdadeira experiência religiosa estimula a dar passos sem medo de se perder num horizonte que ainda não conhece e que o liberta da autorreferência. Esta superação permite beber de fontes mais amplas e mais profundas do que apenas as da própria tradição, fontes que são inter-religiosas e trans religiosas.

A experiência de encontrar-se com o diferente pode comparar-se a uma viagem, a uma saída para a alteridade. Trata-se de uma deslocação em três tempos:

1. Em primeiro lugar partimos de casa. Casa significa todos os valores, linguagem, hábitos e crenças que temos e que nos estruturam a partir de dentro. Esta identidade constitui-nos desde a raiz. Não o sabemos porque ainda não saímos do nosso mundo e não conhecemos outro. Pensamos que o mundo é como o nosso mundo…

2. Quando nos pomos a caminho e nos encontramos com o outro, gera-se uma situação estranha. O desconhecido assusta os humanos. A língua que falávamos não nos serve, os hábitos incorporados são um estorvo, os critérios óbvios de comportamento também não são partilhados com o país receptor. Isto cria incomodidade, ou também fascínio. Assusta e fascina ao mesmo tempo. Em ambos os casos, geram-se comparações assimétricas: face ao espanto, pomo-nos a comparar o melhor do próprio com o pior do alheio; face à fascinação acontece o contrário; comparamos o melhor do alheio com o pior do próprio…

3. O terceiro passo é o regresso a casa. O que regressa não é o mesmo que partiu. Algo de novo foi introduzido sem que deixe de ser ele mesmo. A identidade própria não foi destruída, tal como não perdemos a nossa língua ou nacionalidade pelo facto de aprender outras línguas ou conhecer outros países, mas deixámos de ter as pretensões infantis de acreditar que tínhamos as melhores montanhas, os melhores lagos ou as melhores praias do mundo. Temos, simplesmente o nosso, como os outros têm o seu, e para lá do meu, o nosso e o seu, vamos descobrindo que nada pertence a ninguém e, ao mesmo tempo, que a terra pertence a todo o ser humano que nasceu na terra”.

Javier Melloni, Para um tempo de síntese: uma proposta de diálogo e de encontro. Capítulo I, 6.

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