Olhamos para a palavra diálogo como viagem até ao outro que me transforma, porque quando regresso sou portador de outras forma de olhar a vida. Neste tempo de pandemia e de confinamentos urge falar de pontes. Pontes que ligam as margens. E quanto maior a distância mais sólidas têm que ser.
Não correremos o risco de nos perdermos como ilhas perdidas neste mar de isolamento?
É por isso que precisamos de construtores de pontes. Mais do que nunca!
Em junho de 1219, Francisco de Assis, em plena luta da 5ª cruzada, saiu da sua zona de conforto para se encontrar com o sultão Malik al-Kamil. Ao tropel dos combates, Francisco de Assis contrapunha o diálogo, o encontro e a amizade com o inimigo. Este gesto, velho de oitocentos anos, tem que germinar em novas pontes nos tempos de hoje.
As pontes têm, no entanto, um clima corrosivo à sua volta: os fundamentalismos

Como dizia o Papa Francisco no regresso da sua viagem a Marrocos onde se encontrou fraternalmente com a comunidade muçulmana, “ainda haverá tantas dificuldades, porque em toda a religião existe um grupo fundamentalista que não quer avançar”.
O dramático dos fundamentalismos é que eles supõem que a verdade se encontra isolada e protegida nas suas posições. Do alto da sua supremacia não conseguem divisar as pontes abertas e disponíveis. Estão fechados à misericórdia e à fraternidade. Como acontece no cimo da montanha: todos os caminhos terminam aí.
Na terceira tentação Jesus é conduzido a um alto monte. A recusa de Jesus é não apenas uma recusa do poder económico, mas de todo o poder, porque, quando se olha a realidade do alto ela fica sempre deformada, como acontece numa fotografia em contre plongé.
Aí está a encíclica do papa Francisco: Fratelli tutti. Uma ponte aberta para todas as margens, mesmo as mais agrestes! Tratar-se-á de um testamento espiritual? Ou será, com toda a simplicidade, o seu olhar sobre o homem e sobre a natureza numa lógica de convivencialidade?
Tem consigo a marca do diálogo empreendido pelo papa Francisco. A partir de uma igreja acantonada nas suas verdades e princípios, ele foi sugerindo um Igreja em saída, hospital de campanha… Mesmo que a viagem implique perturbações, sair é mais importante do que permanecer uma igreja estática, fortaleza protegida contra ventos e marés. O diálogo, que sempre animou as atitudes do Papa Francisco, vai ganhando forma e consistência, mesmo quando os seus desafios pareciam estar cristalizados no tempo.
Mais uma vez o Papa Francisco surpreende-nos com a ousadia das suas propostas. E que elas sejam alimento para a comunidade eclesial e para o mundo. E que a Igreja tenha a coragem de acolher a profecia e de se desinstalar…
A Laudato Si’ parece ainda um projeto perdido na Igreja portuguesa
A Laudato Si’ como diálogo com a Criação parece ainda um projeto perdido na Igreja portuguesa. Os pequenos sinais de resposta não deixam ainda entrever um compromisso profundo das comunidades cristãs no seu conjunto.
Pode acontecer que os desenvolvimentos, que começam a surgir, fora de portas, neste jubileu da terra e na sequência da nova encíclica, desafiem as espiritualidades e as rotinas da Igreja em Portugal.
Paira sempre no ar uma pergunta: por quê a Encíclica parece ter ficado nas estantes, em vez de fermentar iniciativas e desenvolvimentos, em vez de fecundar espiritualidades e devoções?
A pandemia pode ser uma ocasião soberana para este dialogar com a vida e com as fragilidades que a vida vai oferecendo.
Uma oportunidade para dialogar com a ciência sobre a verdade das mutações climáticas e como estamos a adensar os pecados contra a Criação, porque não a respeitamos, mas pensamos que a podemos manipular indefinidamente a favor dos nossos gostos e prazeres.
Foto da capa: Papa Francisco com o príncipe herdeiro de Abu Dhabi, Sheikh Mohammed bin Zayed Al Nahyan, na cerimônia de despedida no aeroporto presidencial de Abu Dhabi no final da visita de três dias aos Emirados Árabes Unidos, 5.FEV.2019. Foto: EPA/VATICAN MEDIA.
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