Um bom uso da internet e um bom hobby, em tempos de um confinamento que nos acompanha também neste primeiro trimestre de 2021, pode ser o de recuperar personagens e histórias do passado da nossa terra natal.
Não é um mero exercício nostálgico e retórico para repetir aquela lengalenga: “já não é como antigamente!”, mas, sim, uma oportunidade para viver o presente alimentados e tonificados pela seiva que as nossas raízes nos trazem.
Na página Facebook da minha terra, para além das queixas, do falar mal dos políticos e dos pedidos de informações para reparações e biscates…
há duas coisas de que gosto muito: a publicação de fotografias artísticas da beleza paisagística da minha terra e a recuperação de eventos que marcaram a vida das famílias no passado, como por exemplo, os anos da fome e da emigração no fim da segunda guerra mundial; a grande cheia de 1966 que fez muitos estragos e levou muita gente a deixar por algum tempo a própria casa; e a vida das famílias que contribuíram na reconstrução e desenvolvimento social daqueles anos.
Há dias alguém colocou este post:
Enrico Scarpis (1890 – 1958), médico de família ao longo de 38 anos. Chegou à nossa terra juntamente com o Arcipreste (assim era chamado o pároco naquela época), o Padre Serafino Chiarotto e ao longo de 38 anos foram as colunas mestras da nossa vila.
O Padre e o Médico, chegaram juntos e juntos partiram. Ao longo de duas décadas e durante a Segunda Guerra Mundial, eles estiveram próximos da população enxugando muitas lágrimas. É bom lembrá-los juntos. Ambos, Padre e Médico, deixaram escrito no testamento espiritual quererem descansar no cemitério da nossa terra. Quantos de nós ainda se lembram deles?
Sempre procurando algo do passado da minha terra, descubro que sai nestes dias uma publicação sobre uma mulher, Luígia Maria Borgato (1898 – 1945) que juntamente com alguns dos seus familiares (sobretudo a sobrinha Delfina de 16 anos) ajudou prisioneiros em fuga depois do armistício de 8 de Setembro de 1943. Estes precisavam de tudo: comida, vestidos e documentos.
Na Basílica de Santo António, em Pádua, havia um franciscano, frei Plácido Cortese, que falsificava documentos dentro do confessionário para salvar a vida de muitos fugitivos, judeus e perseguidos pelo regime nazi-fascista. Lígia Maria e a sobrinha Delfina serviam de estafetas, percorrendo, de noite, a pé, dezenas de quilómetros até à estação de Pádua, para embarcar os fugitivos para a Suíça.

Na noite de 13 de Março de 1944, atraiçoadas por uma espia que se fez passar por prisioneira foram presas juntamente com outros familiares. Lígia Maria foi deportada para o campo de concentração feminino de Ravensbruck (Berlim) e ali foi executada na câmara a gás, na primavera de 1945, vésperas da libertação. Também o Frei Plácido Cortese, preso e torturado, acabou por falecer nos calabouços da Gestapo, em Trieste.
Todos os anos a 27 de Janeiro – data do aniversário da libertação do Campo de Concentração de Auschwitz-Birkenau (27 de janeiro de 1945) – celebramos o Dia Internacional da Memória das Vítimas do Holocausto, um dia em homenagem à memória de milhões de vítimas provocadas pelo genocídio da Alemanha nazi; um dia para lembrar a necessidade de combater o anti-semitismo, o racismo e quaisquer outras formas de intolerância que possam levar à violência.
Quando era criança, a minha avó contava-nos muitas histórias ligadas ao tempo da Segunda grande Guerra e da reconstrução que se seguiu. Hoje tudo corre mais veloz e vivemos assustados e irritados com a pandemia que alastra.
Não será a experiência de confinamento, uma oportunidade para reconstruir as nossas memórias e aprender a caminhar com a sabedoria, a esperança e o sacrifício que caraterizou a vida dos nossos anciãos?
Foto da capa: Portão principal de Auschwitz I, onde se lê a frase “Arbeit macht frei” (“O trabalho liberta”). Foto EPA / PAWEL SAWICKI / http://www.auschwitz.or.
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