O novo ano de 2022, começou com o funeral de outro grande profeta do nosso tempo: Desmond Tutu, Arcebispo da Igreja Anglicana e prémio Nobel da Paz em 1984 pela sua luta contra o Apartheid na sua terra natal.

Nasceu em Klerksdorp, na África do Sul, a 7 de Outubro de 1931. Aos 12 anos, a sua família mudou-se para Joanesburgo. Era seu desejo tornar-se médico, mas não tendo condições económicas para pagar os estudos, acabou por enveredar nas disciplinas teológicas tornando-se, em 1960, ministro ordenado da Igreja anglicana. Jovem pastor foi nomeado capelão da Universidade de Fort Hare, no Sul do País, berço da luta contra o apartheid. Continuou a estudar nos anos Sessenta, tendo obtido o bacharelado e depois um master em Teologia.
Começou a viajar e tornou-se cada vez mais sensível aos temas da “negritude”. Em 1975, foi nomeado deão da Catedral de Santa Maria, em Joanesburgo: era o primeiro negro com tal cargo!
Esta escolha provocou reações polémicas nos círculos governamentais. O ano de 1976 representa uma viragem significativa na vida de Desmond Tutu: após ser sagrado bispo, as manifestações, no município de Soweto, contra as diretrizes do governo que obrigavam ao uso da língua afrikaans nas escolas afro, acabaram com o massacre de centenas de jovens. O apoio de Desmond Tutu ao embargo económico contra o regime segregacionista do seu País provocou um grande clamor.
Com a sua nomeação para secretário-geral do Conselho das Igrejas da África do Sul a sua voz de luta não violenta contra o regime racista do National Party tornou-se cada vez mais forte, através de escritos, conferências e conversações, no seu país e no estrangeiro, em defesa do direito de circulação dos negros, em prol de um sistema educacional comum e contra as deportações forçadas dos negros.
Entre os vários títulos honoríficos recebidos, o mais famoso e significativo é, sem dúvida, o Prémio Nobel da Paz, em 1984, que sagrou o seu carisma profético em defesa da negritude. De 1985 a 1986, foi bispo de Joanesburgo e, de 1986 a 1996, arcebispo da Cidade do Cabo. Era casado, desde 1955, com Leah Nomalizo Tutu, com a qual teve quatro filhos: Trevor Thamsanqa, Theresa Thandeka, Naomi Nontombi e Mpho Andrea.
Não podemos deixar de lembrar, na figura emblemática deste iluminado pastor da Igreja anglicana, a criação, em 1995, da Comissão Verdade e Reconciliação, com o intento de uma reparação moral em prol dos familiares das vítimas, através da confissão dos crimes cometidos durante o Apartheid. Esta intuição, apoiada fortemente pelo Pai da Pátria, Nelson Mandela, tornou-se revolucionária, porque travou o perigo de uma terrível guerra civil por causa da sede de vingança que havia entre as famílias nos territórios da África Austral.

Ubuntu
Mas para entender melhor o carisma de Desmond Tutu, é importante lembrar um conceito filosófico da tradição Bantu, que Tutu soube conjugar com a sabedoria da Palavra de Deus.
Trata-se do “Ubuntu”, que poderíamos traduzir em português como: “Eu sou porque tu és!”. Várias outras expressões retiradas das intervenções de Desmond Tutu reforçam esta tradição ancestral da sua terra natal: “Uma pessoa torna-se humana graças às outras pessoas”. “Um indivíduo é pessoa graças aos outros indivíduos!”.
É uma visão da sociedade sem divisões em que, cada pessoa é chamada a desenvolver um papel importante. Daqui a atenção dada por Desmond Tutu à alteridade, uma alteridade que exprime uma tensão para a paz.
Há um episódio curioso que um dia um antropólogo contou para explicar quanto é forte esta dimensão relacional nas culturas sul-africanas. Um dia, decidiu colocar uma cesta cheia de fruta ao pé de uma árvore, dizendo a um grupo de crianças que quem chegasse primeiro ficaria com toda a fruta. Quando deu o sinal, as crianças deram as mãos e correram todas juntas; depois sentaram-se em círculo para gozar em conjunto o prémio alcançado. O cientista perguntou porque é que não correram separados. E todos responderam em coro: “Ubuntu!”.
Este foi o fundamento da nova nação “Arco-íris”, termo que o próprio Desmond Tutu criou para afastar a vingança por parte da maioria “afro” contra a minoria “branca” depois da queda do regime segregacionista de Pretória.
No dia da sua morte, a 26 de Dezembro de 2021, o tributo foi unânime, como acontece com todas as figuras simbólicas. As palavras sobre a figura de Desmond Tutu que se ouviram dos governantes do mundo inteiro e do Papa não foram meras palavras de circunstância. Entre todas, ousamos realçar as do Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres, que o recordou como “uma voz inabalável dos que não têm voz”, “uma inspiração para as gerações ao redor do mundo”, “um farol brilhante pela justiça social, liberdade e resistência não violenta”.
Foto da capa: Desmond Tutu dança com o Coro Gospel do Soweto, no lançamento do livro Tutu: um retrato autorizado, na Catedral de São Jorge, Cidade do Cabo, África do Sul. Foto EPA/NIC BOTHMA, 2011.
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