“Casar, não casar, ficar com este, ficar com aquela”. Foi por causa destas palavras, lidas a propósito de Amor, Amor, que decidi ir ver o filme e escrever sobre ele. Até porque me lembrei logo das palavras do papa Francisco na Amoris Laetitia:
Isto não significa deixar de advertir a decadência cultural que não promove o amor e a doação. (…) Penso também no medo que desperta a perspetiva dum compromisso permanente, na obsessão pelo tempo livre, nas relações que medem custos e benefícios e mantêm-se apenas se forem um meio para remediar a solidão, ter proteção ou receber algum serviço. (…) O narcisismo torna as pessoas incapazes de olhar para além de si mesmas, dos seus desejos e necessidades.
Inspirado numa peça de teatro de Corneille – Place Royale (1634) –, mas adaptado à Lisboa do final dos anos oitenta, princípio dos noventa, o filme põe diante de nós as dúvidas e medos, as angústias e estratagemas de alguns jovens: dois pares de namorados que, afinal, não o são tanto como isso, e o irmão de uma das protagonistas profundamente apaixonado pela outra personagem feminina central. Diz o realizador, Jorge Cramez, ao contar como lhe surgiu a ideia para o filme:
Estava a ver aquilo e estava-me a ver a mim e aos meus amigos da altura: é impressionante como a peça tem 400 anos mas as grandes questões, sobre o amor, sobre o casamento, sobre o medo disto tudo, são exatamente as mesmas, e nessa angústia revi imediatamente o meio em que eu vivia.
(Público, Ipsilon, 19 de Fevereiro de 2018)
O filme é uma história de encruzilhadas amorosas entre cinco personagens que se vão escondendo atrás de amores mais ou menos secretos e planos ocultos, como quem procura o amor verdadeiro. Parece ser essa a razão da palavra ‘amor’ duplicada no título e na boca de uma personagem. Todos, sobretudo ela, Lígia (Margarida Vila Nova), procuram o amor, amor.
Não sendo um filme arrebatador é, no entanto, um filme muito interessante, exatamente pelo retrato que nos faz de uma certa juventude que, por razões várias, tem dificuldade em encontrar o rumo e o sentido da vida, entre discoteca, cervejas, alguma droga, ir ver o nascer do sol à praia ou a algum miradouro de Lisboa…
O filme passa-se num único dia, o dia da passagem de ano, e este parece ser um elemento significativo a ter em conta. Ano novo, vida nova, costuma dizer-se. E é isso que vai acontecer, de modo diferente para as personagens: Marta (Ana Moreira) que parecia ter um namoro perfeito com Jorge (Jaime Freitas) e com quem achava que ia casar regressa a casa, num táxi, sozinha, na manhã do novo ano, mas com um sorriso nos lábios a sentir na cara a neve que cai; Carlos (Nuno Casanovas) que namorava com Lígia, mas estava apaixonado por Marta, depois de um engano noturno, acorda feliz ao lado da namorada, os dois a bailar enquanto a neve desce do céu. Terão encontrado o amor, amor?
Só Jorge, perverso e narcisista, aquele que tinha medo que o amor-casamento lhe roubasse a liberdade, absorvido pela sua exposição, não repara no milagre da neve a cair naquela manhã de ano novo, em Lisboa. Está só.
Entre o gostar e o estar apaixonados, como descobrir o amor, amor? Nem todos são capazes de ver o milagre, mas cabe-nos procurar o caminho para lá.
Amor, Amor, Jorge Cramez, Romance, M/14, Portugal, 2017