Da periferia para o centro

Terminou o Sínodo dos Bispos para a Amazónia. Durante três semanas (de 6 a 27 de Outubro do corrente ano) uma das periferias mais emblemáticas da igreja deslocou-se para o centro, para o coração do mundo cristão.

Foram tempos de escuta, aprendizagem e encontro com o Espírito. Como no final do primeiro encontro sinodal em Jerusalém, os membros da Assembleia Sinodal poderiam dizer: “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós…” (At 15:28-29).

Uma luz forte vem das periferias da igreja para refrescar e rejuvenescer o corpo eclesial. Como dizia Mons. David Martínez de Aguirre, Secretário Especial do Sínodo para a Amazónia:

O Amazonas entrou no Tibre e como acontece quando os rios supercaudalosos entram num rio mais parado, ao princípio parece que há una certa contenção, mas logo transborda. Parece que o Amazonas está a fazer transbordar o Tibre. Que a Amazónia está a começar a chegar e a mudar também a Igreja universal.

Foram de três semanas de encontro, de diálogo, de celebração e de festa. Mas estas três semanas têm atrás de si uma intensa preparação. O documento de trabalho espelhava o eco de muitos milhares de pessoas (87 000) que foram participando nas diferentes etapas de preparação sinodal nos nove países que configuram a região amazónica. Mas é agora, depois da Assembleia Sinodal, que verdadeiramente começa o Sínodo.

Aprovado o documento final com os seus 12º parágrafos, aguarda-se a Exortação Apostólica do Papa Francisco que proporá a toda a Igreja o que achar conveniente. Este tempo de espera não será um tempo perdido para os responsáveis da Igreja amazónica.

Nos dia 21 e 22 de novembro decorrerá na Venezuela um congresso com o objetivo de discernir sobre os desafios que se colocam à Igreja católica em matéria de funcionamento, estrutura e comunicação.

Especialistas de vários países irão apresentar elementos de reflexão que permitirão levar por diante uma igreja em saída para as periferias e as formas de um governo sinodal na Igreja.

Mas, enquanto está em ebulição tudo o que aconteceu no Sínodo, é um momento propício para ler e meditar o documento aprovado e perceber como as diferentes proposições poderão introduzir sangue novo na longa experiência de Igreja.

Lendo e meditando o documento final

Saliento alguns aspetos que sobressaem:

  1. O grito da mãe terra e dos pobres: A Amazónia é hoje uma formosura ferida e deformada, um lugar de dor e violência. Os atentados contra a natureza têm consequências para a vida dos povos. Esta única crise sócio-ambiental é o grito da terra e dos povos pelas ameaças contra a vida das pessoas e do planeta.
  2. Caminhos de conversão pastoral para uma igreja em saída, samaritana, misericordiosa e solidária. Uma igreja de rosto renovado, testemunha e missionária.
  3. Uma igreja inculturada acolhendo como lugar teológico a experiência dos povos indígenas e a religiosidade popular. Uma Igreja desafiada a novos caminhos de evangelização no respeito pelas culturas onde deve ser fermento de Evangelho.
  4. Uma Igreja que cuida da casa comum acolhendo o desafio de uma “ecologia integral” no respeito pela terra e pelos povos, trabalhando em conjunto com todos os homens de boa vontade para que a Amazónia não seja destruída pela voracidade dos seus predadores.
  5. Uma Igreja aberta a novos caminhos, procurando na experiência sinodal uma nova forma de se organizar. Uma Igreja capaz de aceitar uma profunda conversão das suas estruturas, tendo como elemento unificador as exigências da missão e não das regras. Uma Igreja que assume o risco de abrir caminhos não explorados de presença da mulher e dos leigos em novos ministérios.
  6. Uma Igreja que coloca a Eucaristia como cume e expoente da comunhão sinodal, procurando descobrir as melhores formas de expressão litúrgica verdadeiramente inculturadas.
Mãe e filha aguardam a chegada do papa Francisco ao campo de refugiados em Bangui, República Centro-Africana, 29 de novembro de 2015. EPA / Daniel dal Zennaro.

Concluindo

Uma igreja que não se resigna diante do martírio e que conta várias dezenas de mártires que são a sua glória e o húmus onde pode crescer o testemunho evangélico.

Uma igreja jovem que respira criatividade e sonho e tem nos missionários e missionárias a dádiva e o jeito de ouvir “o clamor do povo” e que está disposta a deixar a sedentarização nas normas e das regras para ir “escutando o que o Espírito diz à Igreja”.

Uma Igreja disposta a deixar-se interpelar pela vida e pelo drama dos povos para se tornar voz dos que não têm voz.

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