Continuamos a conversa com Carlos Fiolhais falando de ciência e tecnologia.
Será que a ciência tem culpas nos problemas atuais da humanidade, nomeadamente não terá também a sua parte de responsabilidade em relação às alterações climáticas?
Não é tanto a ciência, é mais a tecnologia, mas eu sei que a tecnologia deriva da ciência e, portanto, não quero esquivar-me à pergunta. A ciência é conhecimento e esse conhecimento leva-nos aquilo que podemos chamar de tecnologia ou seja a capacidade que temos de intervir no mundo.
A Revolução Industrial veio depois da Revolução Científica, eu sei que há um elo entre elas e não quero eximir responsabilidades, pois tão ladrão é o que vai à vinha, como o que fica à espera. Com a Revolução Industrial, a tecnologia veio proporcionar-nos melhores condições de vida, não tenhamos dúvidas quanto isso.
Vivíamos num estádio ligado à agricultura e o facto de ter aparecido a indústria e máquinas que substituíram o trabalho manual, libertou o Homem e deu-lhe meios para poder viver uma vida mais digna. Os economistas sabem que houve uma explosão do rendimento, sem dúvida, com desigualdades, mas apesar disso, há uma fase antes e outra depois da Revolução Industrial.
É evidente que isso não se fez sem custos e estamos agora a pagar o preço, por exemplo, nas alterações do clima e do ambiente.
Mas aqui também houve evoluções: fez-se um acordo, primeiro em Quioto, depois em Paris; infelizmente os Estados Unidos, com a atual gestão, colocaram-se de fora, mas é quase uma excepção, há um acordo de praticamente todos os países do mundo. Reconheceu-se que há um aumento de dióxido de carbono na atmosfera e isso aumenta a temperatura (o chamado efeito estufa). É um fenómeno que é gradual, mas que em 50, 100 anos pode levar e já está a levar a alterações climáticas e que tem consequências para a nossa vida na Terra.
O problema é que a política é o reino do curto prazo, ninguém pensa nos netos ou nos bisnetos. Mas a ciência tem neste momento conhecimento suficiente e deu à sociedade, em particular aos políticos, avisos de que é preciso fazer qualquer coisa, não podemos continuar a fazer emissões como estamos a fazer.
Mas como dizer isso aos países em vias de desenvolvimento?
De facto os países desenvolvidos foram aqueles que até agora libertaram mais dióxido de carbono. Vamos dizer, por exemplo à China (que até está a portar-se de um modo muito razoável), agora, não podem fazer tantas emissões! É muito difícil dizer isto aos países mais pobres e sabemos que a riqueza está associada ao uso de meios de transporte, instalações industriais, etc.
Ou seja os problemas são económicos, são sociais, são políticos… não são apenas científicos. A ciência pode estar na base deles, mas não podem ser resolvidos de maneira nenhuma pela ciência. São problemas societais, têm até componentes nas quais pode entrar uma mensagem religiosa, a mensagem da salvação coletiva, a mensagem da unidade do homem e do ambiente e aí até podemos invocar São Francisco de Assis.
A ciência tem responsabilidades, mas a responsabilidade maior é a nossa, ou seja que uso responsável é que fazemos do nosso conhecimento.
E essa questão é sempre, se quisermos, moral, seja qual for a origem da moral, e invoco a palavra sem ser em sentido religioso; moral é aquilo que se deve fazer, ou ética se quisermos… o que é que se deve fazer, independentemente de estarmos a falar de um humanismo religioso ou laico, que não é menos humanismo por ser laico.
Eu acho que pode e deve haver convergência, porque o nosso planeta é muito pequeno, visto ao longe, como dizia o grande divulgador de ciência Carl Sagan, é apenas um pequeno ponto azul no vasto Universo.
Somos um grão de areia, somos um pó, isso coloca-nos outra questão: seremos a única espécie inteligente no Universo?
Não sabemos. Nem sequer sabemos se a vida no Universo é apenas a vida com o código genético comum que conhecemos aqui na Terra. Nem sequer sabemos qual é a origem da vida na Terra.
Portanto, há muitas perguntas que fazem sentido para as quais a ciência não tem resposta, não quer dizer que um dia não venha a ter. Seria uma grande descoberta saber qual é origem da vida. Será que começou aqui? Será que veio de outro lado? Tudo indica que teve origem num único organismo, um organismo simples, que depois se multiplica e diferencia, através de mutações para termos toda esta grande diversidade genética, mas ou mesmo tempo grande unidade, tudo está escrito no mesmo código.
Uma coisa é certa, neste momento, há projetos científicos muito sérios e muito caros para procurar vida e, em particular, vida inteligente, se é que existe, noutros sítios. Não se trata de ficção científica, há projetos para encontrar planetas com condições semelhantes às da Terra e saber se têm atmosfera, saber se têm água…
Mas pode até acontecer, não estamos livres disso e seria uma grande descoberta, haver uma vida de tipo completamente diferente, em circunstâncias diferentes, num outro ecossistema, não com o carbono e o oxigénio, átomos que nós aqui associamos à vida, mas de uma outra maneira, e isso traria questões muito interessantes, seria um grande desafio para a humanidade.
Nós temos dificuldade, até dentro da própria humanidade, em aceitar a diferença…
E somos o mesmo, a genética ensina-nos que só há 0,1% de diferença entre nós dois ou entre qualquer um, somos diferentes, mas somos iguais. Agora a questão é: se encontramos um extra terrestre (em termos gerais, não estou a pensar num marciano) com um código genético semelhante ou mesmo diferente, um outro tipo de organização, como é que nós humanidade nos comportaríamos?
Eu acho que seriamos afetados, mas como? Eu não sei, é um dos grandes enigmas, será que algum dia vamos descobrir vida e em particular vida inteligente fora da Terra? E como é que nós iriamos encarar esse desafio? Será que haveria A Guerra dos Mundos? Será que aquilo que conhecemos na Terra que é a guerra por causa das diferenças ia acontecer a uma escala cósmica? Eu não sei, mas acho que seria um grande sobressalto para a humanidade.

Fundou e dirige o Centro de Ciência Viva Rómulo de Carvalho. É Professor Catedrático de Física da Universidade de Coimbra. Publicou mais de 60 livros e participou em muitos outros, codirige as Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa, é cronista regular do Público. Fundou e dirige o blogue De Rerum Natura. Tem uma atividade intensa de divulgação e educação científica na imprensa, rádio e televisão.
Continuaremos esta conversa no próximo número…
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