Não é politicamente correto dizer o que vou dizer: é gravíssimo perder-se o emprego, a casa, mas se não tivéssemos estado já antes numa crise mais profunda, crise de muitas outras coisas, se calhar teríamos aguentado com outra força sem essa não esperança de que acabou tudo.
Estas são palavras de Teresa Villaverde, a realizadora do filme Colo a merecer uma visão atenta, porque se trata de um grande filme, com magnífica fotografia e magníficos atores e que desenrola diante de nós um argumento muito subtil e aberto a várias leituras.
Situado ‘nos tempos da crise’ (o filme já tem mais de um ano, mas só agora estreou em Portugal), Colo vai muito mais fundo e muito mais além dessa leitura linear, como se percebe das palavras da própria realizadora: é sobretudo a implosão de uma família.
De facto, aquilo a que assistimos é ao esboroar das relações daquela pequena família – pai (João Pedro Vaz), mãe (Beatriz Batarda) e filha (Alice Albergaria Borges) – incapaz de encontrar palavras e gestos que os mantenham unidos.
É verdade que o pai está desempregado e quase desespera, que a mãe procura aguentar o barco tendo dois empregos, que a filha adolescente se sente sozinha, perdida e à procura, como qualquer adolescente. Mas o problema é muito mais fundo do que isso: “as pessoas estão afastadas, não sabem nada da intimidade de cada uma, mas vivem coladas umas às outras. Ou seja, estão entre o afastamento e a promiscuidade” (Teresa Villaverde).
Todos parecem perdidos e com medo de se perderem uns aos outros. Por isso, o filme acaba por levá-los cada um para seu lado, para um tempo de pausa – como diria a realizadora no debate, depois da projeção do filme, ela própria sem ter a certeza de como a história poderá continuar –, talvez de reencontro cada um consigo mesmo: o pai vai com Júlia (a amiga da filha que está grávida e que ele decidiu ‘adotar’, provavelmente revendo-se naquela desolação), a mãe para a casa de uma amiga e a filha vai abrigar-se na cabana de um pescador (que ela e Júlia (Clara Jost) tinham encontrado uma vez), a quem pede para poder ficar ali.
É aí que o filme acaba – em aberto – numa das cenas mais bonitas e simbólicas: Marta está lá dentro deitada na enxerga e a câmara vai-se aproximando lentamente. Mas quando nós esperávamos que ela entrasse e nos desse a ver Marta outra vez, a câmara afinal volta atrás, como que respeitando o segredo daquela adolescente completamente fechada em si mesma.
É um filme sem gritos, mas revoltado (a canção daquela banda de garagem expressa isso mesmo); é um filme desolado e desamparado, mas ao longo do qual a realizadora espalhou sinais de redenção: para além de algumas pessoas boas, dos sonhos e utopia dos adolescentes, há proximidade da água, do mar e da sua imensidão, mas sobretudo aquele ‘banho regenerador’. Para o pai, começa ali um caminho novo. Talvez possa acontecer o mesmo aos outros.
A família, com todas as suas dificuldades e crises, continua a ser uma boa notícia para todos, o lugar primeiro da felicidade, uma inacabada descoberta onde “cada um, cuidadosamente, desenha e escreve na vida do outro” (Papa Francisco).
Colo, de Teresa Villaverde, estreou, em fevereiro de 2018, no Festival de Berlim
Drama, M/16, Alce Filmes, Portugal, 2017