A Internet não é mais um meio de comunicação, mas tornou-se no ambiente onde muitas pessoas vivem uma boa parte do seu tempo. E, apesar de pensarmos que a tecnologia é um fruto da criatividade humana (e é), também se tornou inegável que nos modifica e influencia a nossa cultura.
Como ambiente, a Internet suscitou na imaginação do escritor William Gibson a noção de ciberespaço, como alucinação colectiva de uma realidade ditada por algoritmos matemáticos no seu livro Neuromancer. Poucos estão cientes de que a origem do prefixo ciber parece ser uma forma latina do grego kyber que diz respeito a “governar, orientar, pilotar”. Por isso, uma cibercultura seria o modo como o ambiente “internético” governa, orienta e transforma tudo aquilo que o ser humano vive e faz, ou seja, a sua cultura de origem digital. Que implicações poderá ter uma cibercultura para a nossa vida espiritual?
Antonio Spadaro SJ, director da revista La Civiltà Cattolica, escreveu Ciberteologia para nos ajudar a repensar o Cristianismo na Era da Internet. Sobre o ciberespaço, Spadaro sublinha como este expressa a nossa finitude e, talvez por isso, nos atrai e sacia. Porém, apesar de restrito a bits, o ciberespaço parece não ter fim, como alguns experimentam em jogos como o Minecraft, significando isso que nele encontramos um ambiente onde a espiritualidade e tecnologia se intersectam. E dado o tempo que a maior parte de nós passa online, estamos a ser transformados no modo de ser, estar e pensar, quer queiramos, quer não, pela cibercultura gerada nos mais diversos âmbitos virtuais com que nos cruzamos, começando pela linguagem.
Já repararam como salvamos um ficheiro, convertemos imagens de um formato para outro, justificamos os nossos textos e partilhamos o que fotografamos? Não são estas, as palavras que encontramos, também, na teologia? A vida cristã é um evento comunicativo.
Daí que Spadaro afirme que “a conversão (…) é a redenção da incomunicabilidade”, questionando
Pode a conversão tecnológica ter um efeito sobre a compreensão das conversões religiosas? Neste caso, se considerarmos as interessantes conotações de abertura (abrir um ficheiro) e de restauração de um relacionamento comunicativo (ler um ficheiro) que estão envolvidas na conversão tecnológica, iluminamos a conversão teológica através da significância original de reabertura de um relacionamento quebrado até re-estabelecer um contacto de gera sentido.
A Internet que transporta “átomos” culturais ou memes tornou-se já o pão de cada dia para milhões de pessoas. No âmbito da evangelização que pretende anunciar a todo o homem que Deus o ama imensamente, o ciberespaço, que deixou de ser um meio que as pessoas usam para se tornar o ambiente onde vivem, devia-nos pôr a pensar sobre a interacção entre realidade física e virtual.
Com a Internet, qualquer um de nós pode colocar uns headphones e ouvir a sua própria “banda sonora”, construindo o seu próprio ambiente e alienando-se daquele que o rodeia. Depois, aquela busca infinita que se fazia pelos sinais de Deus e da Sua vontade em cada momento presente, reflecte-se agora nos motores de busca. Nas pesquisas feitas pela Internet, muitos procuram por algo que satisfaça as suas exigências espirituais.
Por quantas mensagens não somos nós bombardeados todos os dias que nos levam a viver imersos num excesso de informação? Nestes casos, o desafio não está em encontrar uma mensagem que faça sentido, mas em descodificá-la e compreender que sinal do foro espiritual nos transmite entre as muitas mensagens recebidas. Por todos estes motivos, uma das palavras mais importantes numa cibercultura espiritual é a palavra discernimento.
Qual é a mensagem que nos chega de Deus entre todas as que recebemos por WhatsApp, email ou redes sociais? Qual o centro espiritual que dá unidade à fragmentação de mensagens que trocamos todos os dias? Como distinguir uma comunicação do Evangelho de mais uma informação no meio de tantas outras? Como partilhar a fé, fruto de um ato de inteligência que nos impulsiona a uma vida profunda, sem cair na tentação de a vender de um modo sedutor, como prática habitual no ambiente experiencial da Internet?
A mensagem do Evangelho desconforta e abala a consciência de cada pessoa. Não existe para nos sentirmos numa zona de conforto bem quentinhos dentro de uma bolha de relações com quem concorda connosco, mas existe para que, através de uma crise de consciência, procuremos o sentido e o significado da vida profunda na interação com aqueles que pensam de maneira diferente de nós.
Dessa interação cresce a nossa sensibilidade à leitura e interpretação dos sinais dos tempos, sendo essa uma das mais importantes características do discernimento.