A Obra de Maria nos escombros da II Guerra Mundial
“É este o nosso propósito: viver como Maria, como se fôssemos mãe de todos os seres humanos”.
Escrevo no momento em que nos aproximamos dos 60 dias de guerra na Ucrânia, perto do início do mês de maio, mês de Maria, e num momento em que habita em nós um grande anseio de paz e de reconciliação. São os ingredientes do carisma desta mulher que atravessou o século XX, deixando um rasto de luz, de amor e de união, no meio dos escombros provocados pela Segunda Guerra Mundial.

Chiara nasceu, a 22 de Janeiro de 1920, em Trento, uma cidade do norte de Itália rodeada pelo encanto das Dolomites, mas também cenário de bombardeamentos durante a Segunda Guerra Mundial. Batizada com o nome de Sílvia, cresceu no seio de uma família simples e modesta: da mãe herdou uma profunda fé cristã e do pai, socialista, uma acentuada sensibilidade social.
Em 1943, em pleno cenário de guerra, num clima de violência brutal e de medo, Sílvia atraída pela escolha de vida radical de Santa Clara de Assis, tornou-se Terciária Franciscana no Convento dos Capuchinhos e, nas vésperas da solenidade da Imaculada Conceição, a 7 de dezembro, consagrou a sua vida a Deus com o voto de castidade, assumindo o nome de Chiara (Clara).
No ano seguinte, durante um violento bombardeamento da cidade, a sua família decidiu fugir de Trento, mas Chiara tomou a decisão de ficar, por causa de uma “descoberta fulgurante”, como ela contará mais tarde: refugiada num subterrâneo antiaéreo, ao abrir o Evangelho, deparou com estas palavras da oração de Jesus ao Pai: “Que todos sejam um, como eu e tu”.
Esta passagem do Evangelho tornou-se o carisma do Movimento dos Focolares, formado por um grupo de jovens mulheres, a viver num apartamento da cidade, na Praça dos Capuchinhos, cuja vida era ritmada pela leitura do Evangelho, pelo amor recíproco e pela visita aos pobres nos bairros mais carenciados da cidade de Trento.
Chiara, durante o verão, reunia companheiras e companheiros, nos montes das Dolomites, dando origem às famosas “Mariápolis”, cujo nome significa “cidade de Maria”. Eram encontros de festa, de partilha, de testemunhos, de aprofundamento do carisma a partir dos temas do amor, da unidade, da fraternidade universal, da paz, do diálogo inter-religioso.
Em 1962, o Papa João XXIII aprovou o Movimento com o nome de “Obra de Maria”. Depois, desta árvore surgiram ramificações em resposta aos desafios da Igreja e da sociedade:
- Antes da revolução cultural de 1968, em 1966, Chiara lançou os jovens para serem protagonistas de um mundo novo, um mundo unido. Nasceu assim o Movimento Gen (geração nova).
- Em 1967, iniciou o Movimento das Famílias Novas, no qual as famílias são os primeiros atores do renascimento da crise, ativando projetos de desenvolvimento por meio de adoções à distância.
- Em 1990, criou a Escola Abbá, um centro de estudos internacional e interdisciplinar.
- Em 1991, numa viagem ao Brasil, perante as disparidades sociais que afetam a América Latina, Chiara iniciou o projeto Economia de Comunhão.
- Finalmente, em 1996, em Nápoles, lançou as bases do Movimento Político pela Unidade.
Chiara percorreu o mundo e as sedes parlamentares das nações, tendo, inclusive sido recebida na ONU, para apresentar as suas linhas inovadoras. Encontrou-se com os principais líderes religiosos do Conselho Ecuménico das Igrejas Cristãs, assim como com instituições muçulmanas, monges budistas e hindus.
Entre tantos encontros, ficou famoso o encontro com o Patriarca de Constantinopla, Atenágoras, poucos dias antes da histórica viagem do Papa Paulo VI a Istambul (janeiro de 1967).
Chiara faleceu a 14 de Março de 2008, em Rocca di Papa, após um longo período de doença. Na mensagem enviada pela sua morte, Bento XVI, afirmou que Chiara era uma mulher “em plena sintonia com o pensamento dos papas que às vezes conseguia intuir antecipadamente”.
De facto, Chiara antecipou várias iniciativas dos Papas do pós-Concílio Vaticano II. Eis alguns exemplos:
- As Jornadas Mundiais da Juventude, surgiram com João Paulo II, a partir de 1984. Contudo, as Mariápolis organizadas por Chiara Lubich na década de Sessenta, tornaram-se as primeiras grandes convocações internacionais de jovens desafiados a construir um mundo novo.
- O Movimento Ecuménico, promovido por todos os Papas desde Paulo VI, teve em Chiara Lubich uma grande precursora. Quando São João Paulo II, convocou em Assis, em Outubro de 1986, os chefes das grande religiões do mundo para caminhar e rezar pela Paz, a mulher mais conhecida de todos era Chiara Lubich.
- Finalmente o tema da economia. O Papa Francisco fala, hoje, de uma Economia de Comunhão contra uma economia que mata. As bases daquela que é definida como a “Economia de Francisco”, que coloca os pobres no centro, foram lançadas por Chiara e pelo seu movimento, há mais de trinta anos atrás.
Chiara foi uma mulher carismática que soube consagrar a Maria toda a sua obra! Hoje, pelo mundo, há pelo menos 23 “Mariápolis”, as “cidades de Maria”, em que padres, consagrados e leigos procuram viver o carisma de Chiara Lubich. Estas cidadelas surgiram no meio dos escombros da II Guerra Mundial, por intuição de uma mulher que viu a sua casa destruída pelos bombardeamentos nazis.
Como não dirigir o nosso olhar, neste momento, para “Mariupol”, cidade ucraniana, que está a ser destruída e cujo nome significa, cidade de Maria!
Ouso unir as “Mariápolis” de Chiara Lubich, povoadas de jovens de todas as culturas e raças, num sonho de fraternidade universal, à “Mariupol” da Ucrânia, cidade deserta e arrasada pelas bombas, onde reina o silêncio e a consternação. A Virgem Maria não abandona as suas cidades e a sua “obra de amor”, mas precisa de nós para fazer renascer a esperança de um mundo novo!
Ela [Maria] é Mãe, mãe de Jesus e, espiritualmente, nossa mãe… Devemos ser outra Maria, como mãe… Uma mãe acolhe sempre, ajuda sempre, espera sempre, cobre tudo. Uma mãe perdoa o filho em tudo, ainda que seja um delinquente, um terrorista… Mesmo se, às vezes, o amor de Maria não é correspondido, Ela ama sempre, ama a todos. É este, então, o nosso propósito: viver como Maria, como se fôssemos mãe de todos os seres humanos.
CHIARA LUBICH, Buscar as coisas do alto, Cidade Nova 1993, pág. 36-38
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