Chamados a servir a Igreja em comunhão com Francisco

Duas figuras mediáticas da Igreja em Portugal foram chamadas pelo Papa Francisco para servir a Igreja em cargos tradicionalmente vistos como promoções na carreira do poder eclesiástico. Alguma imprensa chegou mesmo a falar no reforço de um lobby português no Vaticano.
Falamos, naturalmente do bispo de Leiria, D. António Marto, nomeado cardeal de uma forma inesperada e do Padre Tolentino de Mendonça nomeado bibliotecário e arquivista da Santa Sé.

A chave de leitura baseada no poder e na influência não nos parece ser o critério mais adequado para entendermos o sentido destas nomeações para servir a Igreja com mais empenho e solicitude, junto do Papa. Por outro lado, temos que admitir que este Papa (embora tal desígnio tenha já começado com Paulo VI) tem procurado que a Cúria Romana e o Colégio Cardinalício reflitam melhor a universalidade da igreja, com representantes vindos de todos os cantos do mundo, acabando progressivamente com a hegemonia europeia (sobretudo italiana). Este caminho passa também pela nomeação de leigos (homens e mulheres) para cargos na Santa Sé, como é o caso da diretora dos Museus do Vaticano (Barbara Jatta) e da vice-diretora da Sala de Imprensa (a jornalista Paloma Garcia Ovejero).

Será que o Papa morreu?

Foi este o primeiro pensamento do bispo de Leiria, D. António Marto, quando recebeu um SMS da Nunciatura Apóstólica, três minutos antes de inciar a celebração da missa, no dia de Pentecostes. Como todos nós, D. António Marto foi apanhado de surpresa. Sem comunicação oficial, mas ao estilo do Papa Francisco.

O que terá motivado o Papa nesta escolha? O reconhecimento do fenómeno Fátima e do seu peso a nível mundial, como alguns defenderam? Isso contribuiu, certamente, para que o Papa conhecesse melhor D. António Marto. No entanto, estamos convencidos que não foi Fátima em si, mas esse conhecimento, essa sintonia na visão e no projeto para uma igreja mais próxima das pessoas e do Evangelho que motivaram Francisco a chamar o bispo de Leiria para uma colaboração mais estreita nesta tarefa gigantesca de reforma da Igreja.

Esta proximidade com Francisco fica bem expressa nas várias entrevistas que D. Marto deu após esta notícia. Deixamos aqui um excerto da entrevista à revista Visão:

Vivemos hoje numa sociedade muito dividida, na qual domina a cultura da indiferença, de quem não olha para o lado e, se olha, diz ‘não é comigo’. Domina a cultura do descarte daqueles que se pensa que são inúteis, não são produtivos, são um peso, são um fardo para a sociedade.

Para mim, a única figura de referência mundial para crentes e não crentes que luta contra esta onda é o Papa Francisco. É um homem de esperança e eu admiro isso: que um ancião seja o homem da esperança para as novas gerações. Eu também já sou da terceira idade.

As grandes reformas da Igreja têm sido feitas pelos anciãos, gente que viveu uma vida, que é capaz de distinguir o essencial do secundário e do provisório, gente que deu um testemunho de vida, a quem ninguém pode dizer ‘não sabes nada disto, não viveste’, porque já o viveram.

João XXIII, com 78 anos, foi eleito Papa e fez o concílio ecuménico do Vaticano II, um dom para a Igreja que se antecipou às mudanças que vieram logo de imediato e que estão a acontecer. Agora quando menos se esperava, o Papa Francisco veio lá de longe com a idade que tinha e trouxe uma lufada de ar fresco não apenas para a Igreja, mas para o mundo.

António Marto

  • Nasceu em Tronco, Chaves, a 5 de maio de 1947.
  • Estudou no seminário de Vila Real, Porto e em Roma. Foi ordenado padre a 7 de novembro de 1971. Doutorou-se na Pontifícia Universidade Gregoriana com a tese “Esperança cristã e futuro do homem. Doutrina escatológica do Concílio Vaticano II”.
  • Foi professor no Seminário Maior do Porto e na Universidade Católica Portuguesa. Trabalhou nas paróquias de Nossa senhora da Conceição, no Porto e do Bom Jesus de Matosinhos. Trabalhou com o Movimento de Estudantes Católicos, a Liga Operária Católica e a Catequese de Adultos, tendo publicado com D. Manuel Pelino o livro Catequese para o Povo de Deus.
  • Foi bispo auxiliar de Braga, bispo de Viseu e é atualmente bispo de Leiria, desde 2006.
  • A 28 de Junho de 2018, foi nomeado, pelo Papa Francisco, Cardeal-presbítero da igreja de Santa Maria Sopra Minerva.

O padre poeta

Tolentino de Mendonça com o Papa, no Vaticano, na Quaresma de 2018.
Tolentino de Mendonça com o Papa, no Vaticano, na Quaresma de 2018.

Tolentino de Mendonça é uma figura incontornável no panorama cultural, literário e artístico, em Portugal. Era vice-reitor da Universidade Católica de Lisboa, diretor da Faculdade de Teologia e ainda responsável pelo pelouro das relações culturais e bibliotecas da Católica.

A escolha do Papa não será indiferente ao facto de o Pe. Tolentino ter orientado o retiro espiritual do Papa Francisco e da Cúria Romana na Quaresma de 2018, sob o tema O elogio da sede. Sintomáticas as palavras que o Papa Francisco lhe dirigiu no final desses exercícios espirituais:

Obrigado por nos lembrar que a Igreja não é uma gaiola para o Espírito Santo, que o Espírito voa e trabalha fora dela. Com as citações e com as coisas que nos contou, mostrou-nos como Ele trabalha nos não crentes, nos pagãos e nas pessoas de outras confissões religiosas: é universal, é o Espírito de Deus e é para todos.

O Pe. Tolentino também era responsável pela comunidade da capela do Rato, em Lisboa. Esta capela encheu-se de amigos que quiseram despedir-se dele lendo alguns dos seus poemas e textos. No final o Pe. Tolentino agradeceu com estas palavras:

Mesmo quando parecemos que somos muitos, não podemos esquecer que somos uma pequenina comunidade e uma comunidade que é, como diz o papa Francisco, uma espécie de hospital de campanha, de portas abertas, capaz de acolher as perguntas, as dúvidas, as dores, as feridas, as alegrias, e fazer isso de uma forma muito simples, através da escuta, da Palavra de Deus e da pregação, através da oração comum uns pelos outros e num clima de grande hospitalidade, ao jeito das comunidades primitivas cristãs. É uma simplicidade, associada ao facto de aqui ser tudo muito pobre em termos de meios, do espaço, que faz ressoar alguma coisa de original e de evangélico.
….
Desde sempre o diálogo entre a fé e a cultura, entre as artes contemporâneas e o sagrado, entre a beleza e a liturgia, entre a literatura e as artes e as linguagens do anúncio foram preocupações muito grandes desta comunidade. E sentimos que, de facto, precisamos de novas palavras para dizer e viver o mistério. E à sua maneira, com toda a despretensão, porque é mesmo assim, esta comunidade tem sido um laboratório de experiências, de tentativas, de escuta, de novos caminhos; e isso parece-nos que, à nossa pequenina escala, é muito significativo.

Tolentino de Mendonça

  • Nasceu em Machico, Madeira, a 15 de dezembro de 1965.
  • Com apenas 1 ano de idade foi viver para Lobito, Angola, onde os pais e os tios eram pescadores. Aos 9 anos de idade foi um retornado e regressou à Madeira.
  • Foi ordenado padre a 28 de julho de 1990.
  • Doutorou-se em Teologia Bíblica na Universidade Católica Portuguesa (UCP).
  • Dirigiu o Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, até 2014.
  • Em 2011, foi nomeado consultor do Conselho Pontifício da Cultura.
  • Foi vice-reitor da UCP, desde 2012.
  • Tem publicada vasta obra: poesia, ensaios, crónicas no Expresso e vários estudos bíblicos em diálogo com as interrogações do presente.
  • O ensaio A Mística do Instante recebeu o Prémio Literário Res Magnae 2015.
  • Em 2016, a sua obra poética foi distinguida com o Prémio Teixeira de Pascoaes.
  • A 26 de junho de 2018, foi nomeado arcebispo titular de Suava, tendo sido ordenado bispo a 28 de julho do mesmo ano, no Mosteiro dos Jerónimos.

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