A primeira metade do século XX conheceu, no seio de todos os dramas e violências que o marcaram, o surgimento, no contexto europeu, de figuras grandes do pensamento e da reflexão cristã, que procuraram conciliar as suas dúvidas e dificuldades com a busca do sentido do Evangelho. Uma dessas figuras foi o filósofo francês Emmanuel Mounier (1905-1950).
Nesta antologia de textos, retirados do seu diário e das suas numerosas cartas, encontramos a capacidade de acolher, refletir e ler à luz do Evangelho os mais difíceis acontecimentos que a vida humana pode conhecer: a ocupação militar (no contexto da II Guerra Mundial), a perda de uma filha, a doença, a morte. Sem perder o registo sóbrio, livre de todas as ilusões, Mounier interpreta as sombras que marcam uma vida e permite que estas tenham o seu lugar e sejam um caminho de descoberta do mistério humano e do mistério divino. A comoção, a compaixão e a liberdade cristãs constituem-se nos gestos que permitem acolher os acontecimentos concretos, os amigos que Mounier vê serem detidos pela Gestapo, as mães que desconhecem o paradeiro dos seus filhos mobilizados, o exílio. E que falta sentimos, no nosso contexto, desta tradição, destes testemunhos que conseguem unir, em sínteses difíceis, a inspiração do Evangelho, o pensamento e o encontro com o real.
Mais dia menos dia é preciso aceitar ou querer a conversão que temos a empreender, nós, cristãos por tradição, mais violentamente do que qualquer outro […] até às fecundidades pesadas do sofrimento, porque é aí que a vida sobrenatural florescerá, precisamente quando for a única que aceitarmos, ou consentir num pequeno cristianismo de acordos e decepções, em que nos enredaremos pateticamente nos nossos expedientes.
Autor: Emmanuel Mounier
Edição: Tenacitas
Página: 176