No momento em que escrevo estas linhas estamos todos a procurar regressar à dita normalidade. E como estávamos todos desejosos disso. Não tenho bem a certeza se a situação se manterá no momento em que os leitores as puderem ler, mas espero e desejo que sim, pois isso seria um sinal muito positivo.
No processo do chamado desconfinamento estamos já numa fase avançada, onde a movimentação começa a ser muito mais fluída e os nossos estilos de vida começam a aproximar-se ao que estávamos habituados.
É verdade que ainda temos de andar de máscara e respeitar toda uma série de outras recomendações, que todos conhecemos bem, mas isso já não importa muito desde que possamos, com segurança, voltar à normalidade. Claro que ao falar em normalidade peço aos leitores que tenham presente aquilo que a esse propósito já tenho partilhado noutras ocasiões e que, de uma maneira muito breve, mas veemente, quero voltar a repetir. É importante que essa normalidade não se refira apenas ao repetirmos os mesmos gestos e assumirmos as mesmas atitudes, mas seja mesmo uma nova normalidade, ou seja, um começo de uma maneira diferente de olhar e construir o mundo, de entender e concretizar a vida, de assumir e viver este facto de sermos todos membros de uma só família humana e de habitarmos uma só casa comum.
Apesar de tudo o que já estamos a recuperar, fica ainda a faltar a possibilidade de nos podermos abraçar e beijar sem receios, e disso sentimos muita falta, pois a troca de ‘cotoveladas’, ‘braçadas’ ou outras alternativas mais criativas não acaba de nos convencer. O ser humano (cada um de nós) precisa mesmo de sentir a ternura.Não basta saber que é querido, se bem que isso seja muito importante; não lhe chega escutar o quanto gostam dele, ainda que isso também seja fundamental; precisa de sentir-se acolhido e reconhecido, precisa de sentir o abraço e o beijo, precisa mesmo de sentir e experimentar a ternura e isso é para ele tão vital, como o ar que respira e o alimento que consome.
A experiência que todos vivemos durante este tempo tornou bem visível algo que, porventura, já se tinha tornado demasiado rotineiro. As nossas saudações muitas vezes já não eram mais do que cumprir um preceito que as nossas sociedades assumiram como norma de uma boa conduta, esquecendo-se, pouco a pouco, da importância vital desses gestos.
E ao dizer vital não estou em nada a exagerar. A ternura é mesmo vital para o ser humano. Não é preciso fazer uma grande reflexão, nem realizar um grande exercício de memória para percebermos como nos primeiros tempos da vida, o colo, o beijo, o abraço, o calor dos corpos daqueles que nos acolheram – tudo declinações da ternura e do amor – foram absolutamente indispensáveis. Sem eles a vida humana, a vida de cada um de nós, não teria sido possível. Na altura não sabíamos, mas sentíamos e esse sentir permitiu-nos crescer e ser gente. Sim, porque ninguém pode ser verdadeiramente gente sem ser querido e acarinhado. Sem a ternura, o ser humano, cada um de nós, fica afetado na sua condição.
Tudo isto se tornou tão evidente quando vimos e percebemos, por exemplo, que muitos dos nossos idosos começaram a definhar e a perder vida mesmo quando os cuidados de saúde e proteção eram redobrados. Faltava-lhes a vida que o abraço, o beijo, o colo e, porque não dizer outra vez, o calor dos corpos dos entes queridos, transmitem. Sim, porque a vida não é só um dom dos outros no início, mas é sempre, e em todos os momentos, dom dado e recebido. Por isso, a carícia, testemunho evidente desta ternura e deste amor, é absolutamente indispensável. Quando verdadeiramente acariciamos alguém, ou somos acariciados, sentimos inequivocamente o vibrar da vida em toda a sua beleza e mistério. A caricia é um gesto profundamente humano e humanizador, e ela é muito mais do que o tocar…
Daqui decorre que a primeira missão que temos como humanidade é cuidarmos carinhosamente uns dos outros. E para nós crentes, isso é ainda mais evidente, devendo ser assumido como algo que decorre da nossa própria fé. Deus ama com ‘o amor das suas entranhas’ todo e cada um dos seres humanos. E é este amor primeiro a primeira condição para que o mistério da vida de cada um possa acontecer.
Neste voltar à normalidade, mesmo que ainda tenhamos de ser muito contidos nos abraços e beijos, ensaiemos outras possibilidades de acariciar. Seja essa uma das nossas prioridades. Seja o carinho uma das marcas inequívocas da nossa relação humana, neste tempo que queremos verdadeiramente novo.
À medida que este texto ia ganhando forma no ecrã do computador fui escutando no meu íntimo uma expressão com que a minha mãe se dirigia a mim: carinho. Era assim que ela muitas vezes me chamava. E ao chamar-me carinho, suportando aquele nome numa relação, foi-me fazendo perceber melhor o mistério da vida. Foi assim durante toda a sua vida, sei que continua a ser assim no seio do Mistério de Deus que ela já habita de um modo diferente do meu. Porque isso foi para mim tão fundamental, porque isso é assim tão fundamental para todo o ser humano, fica como título destas linhas, a modo de íntima e profunda homenagem à minha mãe, a todas as mães, neste mês de maio em que celebramos a Mãe.
Foto da capa: Projeto Educativo Los Patojos, inspirado no desenvolvimento humano e na justiça social, continua o seu trabalho durante a pandemia do coronavírus, chegando às humildes residências de seus alunos com ajuda humanitária e acompanhando as atividades escolares em quarentena. Na foto a mãe Viviana com o seu filho Eduardo, Jocotenango, Guatemala, maio 2020. EPA / Esteban Biba.