O Concílio Vaticano II foi fundamental para a alteração do paradigma eclesiológico que vigorou praticamente durante todo o segundo milénio, que assentava num modelo dualista, que dividia a Igreja em dois níveis. No primeiro, estava o clero que santificava, ensinava e governava, e, no segundo, aqueles que eram santificados, ensinados e governados, ou seja, os leigos (ecclesia docens vs. ecclesia discens).
Embora começasse a ser contestado no seio da Igreja pelos movimentos católicos emergentes no final do século XIX e inícios do século XX, era ainda este o modelo que prevalecia nos anos que antecederam o concílio.
As palavras proferidas pelo cardeal António Caggiano, um dos principais animadores da Ação Católica na Argentina, no primeiro Congresso Internacional do Apostolado dos Leigos (1951), são, sem dúvida, um inequívoco testemunho desta realidade:
Há que deixar bem claro, sem dúvida alguma, tanto do ponto de vista jurídico, como do ponto de vista teológico, que a Igreja católica, por vontade do seu Divino Fundador, Cristo Jesus, é essencialmente uma Sociedade de pessoas desiguais, formadas por duas classes de membros, essencialmente diferentes entre si; a hierarquia e os simples fiéis; aqueles que santificam e aqueles que são santificados; aqueles que ensinam e aqueles que são ensinados; aqueles que governam e aqueles que são governados […].
Os movimentos eclesiais contemporâneos da primeira metade do século XX, foram, para além de uma resposta à sociedade liberal, uma tentativa de redefinição do espaço da Igreja através de novos protagonismos, nomeadamente da valorização do papel dos leigos na Igreja.
De facto, o Concílio Vaticano II não só alterou aquele paradigma como redescobriu a colegialidade dos bispos, ao salientar que a missão de anunciar o Evangelho e pastorear o rebanho foi confiada por Cristo aos Apóstolos e, consequentemente, aos bispos como colégio. A incorporação orgânica do primaz do sucessor de Pedro na comunidade hierárquica dos bispos e o crescimento da noção da corresponsabilidade entre os bispos de toda a Igreja (affectus collegialis), terão contribuído para esta evolução.
Com rara intuição, o Papa Paulo VI decidiu, pouco antes do final do Concílio, instituir o Sínodo Episcopal com carater permanente, garantindo a participação dos representantes do Episcopado Católico no governo da Igreja Universal, o que, por sua vez, esteve na origem das Conferências Episcopais, que surgiram no período pós-conciliar. No entanto, rapidamente se veio a constatar que este modelo não satisfazia um laicado que ambicionava uma representatividade mais alargada e mais operante.
Na realidade, a consciência da dimensão comunitária do viver crente reencontrou no século XX uma nova atenção e valorização uma vez que a vivência comunitária eclesial não acontece à margem das condições normais de convivência humana na sociedade havendo sempre uma correspondência entre a forma como as pessoas fazem a experiência dos dons de Deus que acolhem na fé, e o modo como se configura a sua existência humana de pessoas com uma dimensão social. Essa consciência marcou, como é sabido, o Concílio Vaticano II em diversos registos, em particular na visão da Igreja como Povo de Deus na totalidade dos seus membros, independentemente de ministérios e carismas (Lumen Gentium).
Na reflexão de abertura do Ano Sinodal, no dia 9 de Outubro de 2021, o Papa Francisco manifestou o desejo de caminhar em conjunto “para fazer a experiência duma Igreja que recebe e vive o dom da unidade e se abre à voz do Espírito” e alertou para três aspetos que podem inquinar o processo sinodal.
O primeiro é o formalismo que pode levar a que apenas se olhe “a bela fachada duma igreja sem nunca entrar nela”. O segundo é o intelectualismo, isto é, quando “a realidade vai para um lado e nós, com as nossas reflexões, vamos para outro”. O terceiro, a tentação do imobilismo, ou seja, do “sempre se fez assim”.
Para o Papa o desafio de “caminhar em conjunto”, emerge como um elemento de importância vital na consciencialização e expressão da fé e da construção de uma “Igreja diferente”. Uma Igreja que, nas suas palavras, “não se alheie da vida, mas cuide das fragilidades e pobrezas do nosso tempo, curando as feridas e sarando os corações dilacerados com o bálsamo de Deus. Não esqueçamos o estilo de Deus que nos deve ajudar: proximidade, compaixão e ternura.”
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