Para iniciar o texto deste mês escolhi as palavras do poema de António Machado:
Ao andar se faz caminho,
e ao voltar a vista atrás
se vê a senda que nunca
se voltará a pisar.
O Papa Francisco, ao lançar à Igreja o desafio da sinodalidade, desinstala velhas visões dum clericalismo que urge ir removendo, não apenas das organizações eclesiais, mas sobretudo do pensar de muitos dos homens da igreja. A sinodalidade, essa antiga forma de decisão em comunhão, aparece hoje nos projetos pastorais de muitas dioceses.
A experiência do sínodo e as repercussões do texto Querida Amazónia deixam no ar o sonho de uma comunidade onde todos são parte e protagonistas do anúncio do Evangelho. O Sínodo não foi apenas a sua realização como acontecimento, mas foi sendo vivido nas pequenas comunidades, num trabalho impressionante de escuta de todos e não apenas das “cabeças pensantes”.
Recordo que quando passou por Coimbra, D. Helder contava a sua experiência com grupos de cristãos das “periferias sociais e económicas” quando com eles refletia e as pessoas diziam que não sabiam, que não tinham conhecimentos. E ele respondia-lhes: “Mas você tem cabeça para pensar…”.
Uma Igreja que escuta ou uma igreja que se impõe
Nesse sentido devem referir-se algumas experiências sinodais que vão já abrindo esses caminhos: o Sínodo da Igreja Alemã, o sínodo da Igreja Australiana, as experiências sinodais que estão a iniciar-se no Celam, e os Sínodos em preparação na Igreja Irlandesa e na Igreja Italiana.
Sublinho, pelas polémicas levantadas, a experiência sinodal alemã que propõe o debate e a preparação de decisões pastorais sobre estes pontos:
- O poder e a separação de poder na Igreja, colaboração no mandato missionário comum;
- A vida sacerdotal hoje;
- O papel das mulheres na Igreja;
- A vida relacional, viver o amor e a sexualidade nos casais.
As campainhas de alarme soaram com estrondo: o cardeal Raymond Leo Burke pediu que o sínodo fosse anulado e o bispo Juan Ignacio Arrieta, da Cúria Romana, condenou o episcopado alemão pela escolha de convocar um sínodo sem ter obtido nenhuma autorização de Roma. O papa enviou uma carta a 21 de setembro de 2019:
Sempre que uma comunidade eclesial tentou resolver os seus problemas sozinha, confiando apenas nas próprias forças, métodos e inteligência, terminou por multiplicar e alimentar os males que queria superar.
Sem dar soluções a cada um dos problemas, Francisco convidava a alimentar um vivo Sensus Ecclesiae, porque “o caminho empreendido não deve terminar isolado nas peculiaridades” e advertindo que
se pode cair em subtis tentações a que é necessário prestar especial atenção e cuidado, já que, longe de nos ajudarem a caminhar juntos, manter-nos-ão prisioneiros e instalados em esquemas recorrentes que acabam por desnaturalizar ou limitar a nossa ação…
Depois da primeira assembleia já realizada, aguardamos o tempo das próximas notícias deste caminho que, como afirmava o cardeal Reinhard Marx, depois de esclarecer as dúvidas da Santa Sé, irá propor reformas, mas nunca sem Roma.

Especial atenção deverá merecer-nos, também, a Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe a realizar em outubro. Começou já o processo de escuta (de Maio a Julho) de todo o Povo de Deus com o objetivo de gerar diversos diálogos e atividades que “serão o fio condutor de todo o processo de discernimento para e durante a Assembleia”.
O Papa Francisco expressou na sua saudação inicial à Primeira Assembleia Eclesial que “a Igreja se dá ao partir o pão, a Igreja se dá com todos sem exclusão e uma assembleia eclesial é um sinal disso: de uma Igreja sem exclusão”. Igreja missionária, Igreja em saída e Igreja sinodal são as referências para uma consulta ao povo de Deus.
Os materiais de preparação e os guias de orientação revelam um trabalho profundo e exigente dos responsáveis pela Assembleia sinodal que, estou convencido, poderá ser um excelente desafio para toda a igreja.
De notar ainda que, em meados de maio, na Conferência do CELAM (Conselho Episcopal Latinoamericano), será apresentada e debatida uma reformulação profunda desta estrutura de apoio às diferentes dioceses que a constituem. Tudo leva a crer que haja uma participação não só dos Bispos, mas de representantes das comunidades.
Irlanda e Itália (depois de uma insistência do Papa Francisco) estão também a preparar as suas assembleias sinodais
E em Portugal? Depois de uma tentativa séria lançada pela Conferência Episcopal em 2010 “Repensar juntos a pastoral da Igreja em Portugal”, não será altura de retomar esse projeto inacabado, agora com novos dados e aproveitando algum desse trabalho?
É tarde,
porém é nossa a hora.É tarde,
porém é todo o tempo que temos à mão
para fazer o futuro.É tarde,
Dom Pedro Casaldáliga
porém é madrugada
se insistirmos um pouco.
Foto da capa: Sínodo dos Bispos, cidade do Vaticano, 2008. Foto Christian Gennari.
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