Caminhadas: resolução para 2018-2019

Como professora, sinto que mudo de ano duas vezes enquanto a Terra gira em torno do Sol. Uma, na passagem do ano civil; outra, na passagem do ano letivo. Chega a vontade de dizer “Até para o ano!”.
A maioria das pessoas que gosta de fazer listas com “projetos para o ano novo” fá-la em dezembro. Os professores, os estudantes (e os pais destes) fazem-nas muitas vezes nos primeiros dias de setembro, sem passas, badaladas ou espumante.

Mens sana in corpore sano

O mudarmos de ano duas vezes não nos faz especialistas nisso; assim como o tomarmos (mentalmente ou em papel) resoluções não as torna mais certas.

Há várias resoluções que renovo todos os anos. Uma delas é o exercício físico. Renovo-a, o que não significa que a cumpra como deveria. Procuro reforçá-la em cada passagem, por me parecer essencial. Os clássicos popularizaram a fórmula que ainda hoje perdura: mens sana in corpore sano − o famoso dito “mente sã em corpo são”. O seu autor é o poeta Juvenal (sécs. I-II d. C.), defendendo ser isto o que os seres humanos devem pedir nas suas orações.

Na interpretação mais comum, a frase é entendida como exortação para procurar o necessário equilíbrio entre a saúde física e mental, porque ambas se influenciam.

Certo é que pensaremos menos bem se estivermos há quatro dias a passar fome; pensaremos menos bem se estivermos febris. Por outra parte, também é certo que, se nos entregarmos à gulodice, o nosso corpo irá sofrer, provavelmente com diabetes; se nos privarmos de sono com regularidade, os nossos reflexos diminuem; se nos descontrolarmos no consumo de álcool, poderemos ganhar uma cirrose, como prémio do desrespeito pelo fígado.

A interligação entre a saúde física e a saúde mental é evidente. Contudo, na lufa-lufa do dia-a-dia, é fácil deixar passar despercebido o detalhe e manter velhos hábitos prejudiciais. Os romanos sabiam-no.

O nosso corpo é a casa de Deus

O Cristianismo acrescenta um dado novo: a saúde deve ser procurada, mas não é o fim último. Não é o sumo bem (este é Deus), mas um bem intermédio. A vida presente, toda inteira, não é a sua própria finalidade; existe em ordem ao merecimento da próxima. Assim, o bem-estar, no corpo e na alma, são bens, embora não sejam bens absolutos.

O corpo torna-se mais do que corpo ao ser transformado em templo por Jesus Cristo, que nos convida a segui-l’O. Por isso, em São Paulo faz eco (1 Coríntios 6, 19-20):

Não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, porque o recebestes de Deus, e que vós já não vos pertenceis? Fostes comprados por um alto preço! Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo.

Participamos da transformação do corpo em templo na comunhão eucarística e na conduta reta.

Como não estimar o corpo? É parte do que somos! Desprezando-o, seremos como templos abandonados – daqueles que inspiram a mesma tristeza que sentimos por uma vida quase extinta. Estimando-o, sem cuidar da alma, seremos como aqueles templos belos, que gostamos admirar, mas onde não sentimos o impulso de orar. É, pois, necessário estimar o corpo na medida certa.

O exercício físico é, pois, um dos cuidados importantes. Fortalece os músculos, mobiliza articulações, alonga tendões, alivia tensões, melhora o estado mental. Nem sempre é fácil acertar com o exercício físico mais adequado à nossa compleição e à nossa personalidade. Comigo, o desporto não funciona. A recordação que tenho do último jogo de futebol na aula de Educação Física é ter tido de sair após uma brilhante defesa… com o nariz… Ainda hoje não sei como não foi para dentro. O atletismo também não era para mim (a corrida de obstáculos, que pesadelo!; e o salto em comprimento…?!; a simples corrida incomodava-me e aborrecia-me). Preferia a ginástica.

O desporto de Jesus

Mas há um desporto praticado por Jesus Cristo e que está ao alcance de quase todos – a caminhada. Faz bem, requer poucos recursos e pouco planeamento. Podemos ir aumentando gradualmente a duração e a intensidade. Jesus Cristo caminhou muito.

Sobretudo por altura da Quaresma, as televisões emitem programas sobre a face que teria Jesus Cristo. Seria de tez mais ou menos morena? Seria o cabelo mais para o liso ou mais para o encaracolado? Como era o seu queixo? De que cor eram os olhos? Deixo as questões e respetivas respostas para quem se considere apto a responder. Pela minha parte, penso que seria mais proveitoso fazer um programa sobre os gémeos de Cristo. Os das pernas, que sustentaram as suas caminhadas. Eram de certeza fortes, bem como os de todos os seus apóstolos. São Paulo, seguindo Cristo, teria seguramente os gémeos de um atleta olímpico. A fadiga física da caminhada é indissociável da missão.

Calcorrearam a Europa a pé

Comemorações dos 800 anos da presença franciscana em Portugal, Convento da Arrábida, 25 de abril de 2018
Comemorações dos 800 anos da presença franciscana em Portugal, Convento da Arrábida, 25 de abril de 2018

Sê-lo-á também, séculos mais tarde, para franciscanos e dominicanos. Aos frades de ambas as ordens era interdito viajar a cavalo. São Tomás de Aquino esteve em Roma, Bolonha, Nápoles, Colónia, Paris, para onde foi enviado com finalidades académicas, e fez boa parte dos percursos caminhando. Nas suas viagens, missionárias ou outras, São Francisco de Assis andava a pé, apenas subindo para uma montada se a sua frágil saúde lho exigisse.

Se não tivermos tempo para mais do que caminhar, caminhemos. Sempre podemos aproveitar esse tempo para meditar no que lucrámos com as caminhadas do Pai Francisco, do Doutor Angélico, do Apóstolo dos Gentios e do próprio Verbo Incarnado.

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