São delas as mãos invisíveis que aceitam, dispõem, selecionam e arrumam. São delas as mãos sem rosto definido que organizam e encontram. Há uma porta que separa o mundo das pessoas comuns do mundo de prateleiras altas e de vãos profundos, com um vago cheiro a bafio e uma certa luz baça.
E só as mãos delas encontram destino, desvendam harmonias, constroem certezas onde para nós apenas há um repositório caótico e inerte.
Enfiadas e mais ou menos dobradas em sacos de plástico reutilizados, eles trouxeram as roupas que já não querem.
Da casa dos avós que é preciso “desmontar”, selecionaram os utensílios de cozinha que ainda-estão-bonzinhos e de que não conseguem desprender memórias, mas aos quais não se podem prender. As coisas vão ficando ali, no caixote sem fundo onde tudo cabe: o estorvo e a promessa, o alívio e a dádiva, o essencial e o frívolo.
Elas têm os olhos nas mãos, têm nos olhos o sentido do tato e por isso trazem uma outra vida às coisas moribundas. São as mãos delas que veem até ao fundo do caixote sem fundo, que reconhecem o que é preciso aqui e o que pode ser necessário noutro lugar.
As mãos que escolhem coisas, acolhem pessoas. Acolhem coisas e escolhem-nas para as pessoas. Um fio frágil e infinito (des)enrola-se e emaranha-se, ligando vidas.
As mãos são invisíveis, mas não são etéreas. São bem concretas e agem no mundo de modo discreto, mas insubstituível. São as mãos daquelas mulheres que são auxílio, socorro, passagem e destino.
Já as olhámos nos olhos?