Na Mesopotâmia antiga, no primeiro dia do ano, celebrava-se a festa do Akitu. O início do ano era o símbolo do início do mundo, quando, como narra a Bíblia que evoca contos da Mesopotâmia, “a terra era sem forma e vazia; as trevas cobriam a face do abismo” (Gen. 1, 2).

Na celebração mesopotâmica, o caos inicial era representado por um tapa que o sacerdote aplicava no rei despojado das insígnias reais. Tudo estava virado do avesso, apagava-se o fogo, ninguém entendia mais nada: era o caos e a escuridão. Precisava começar tudo de novo, realizar-se a criação que, no início do tempo, colocara ordem no mundo e na sociedade.
O sacerdote abria a porta do templo, reintegrava o rei nas suas funções, acendia-se o fogo: a vida e o mundo recomeçavam na nova ordem reestabelecida pelos deuses. Recitava-se solenemente o “poema da criação”: do caos inicial os deuses criaram a ordem que garante e sobrevivência humana.
Na noite do Sábado Santo, quem já foi a uma igreja católica presenciou a cerimónia e rituais idênticos, com os mesmos significados: no pátio da igreja, o padre procede à bênção do fogo cuja chama acende o círio pascal, símbolo de Cristo, a luz. A chama do círio, por sua vez, propaga-se pelas velas que os fiéis levam na mão, ligam-se as luzes da igreja que estavam apagadas: repete-se, simbolicamente, o “faça-se a luz” da primeira criação.
As leituras da Bíblia relembram a criação do mundo, a libertação dos hebreus da servidão no Egito e termina-se com a leitura da Ressurreição de Cristo, a nova Páscoa, a nova criação, a nova vida.
Arqueologia? Rituais velhos de milénios, quando o homem era ignorante e crédulo? Ou uma continuidade fantástica de anseios e símbolos que nos esclarecem a respeito da natureza humana, do homem que morre, mas não aceita a morte; da vida além da morte?
Enfim, a ressurreição: a vida sempre nova que enxergamos na primavera, nas flores e nos brotos que despontam depois da “escuridão” do inverno.
Jesus Cristo é símbolo da “teimosia” da vida que ressuscita. Os cristãos veem nele a realização do anseio de vida e de uma nova ordem. Para mim que sofro, agora, o crucificado que ressuscita dá-me a certeza de que há algo vivificante que vencerá a morte, apesar do sofrimento e da injustiça. O homem e o mundo matam a Cristo: Deus ressuscita-o. Vivemos na espera febril de um mundo novo, de uma nova criação, do “Reino de Deus”.
Páscoa é isso: crer não só na ressurreição de Cristo, mas também na ressurreição do homem. Quando? Se esperamos um mundo ideal depois desta vida, porquê não começar desde já a implantá-lo? Enquanto nascem crianças, namorados se amam, noivos casam; enquanto houver pessoas sacrificando-se pelos outros, enquanto o amor teimar em brotar, não podemos desesperançar. É a vida – Deus – que segura esse mundo.
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