Querida Alice,
Espero que estejas bem, ou, à portuguesa e sabendo que os dias nem sempre são fáceis, espero que pelo menos estejas “benzinho”.
Esta carta começou a ser escrita há muito tempo. É uma conversa que tenho na minha cabeça há muitos, muitos anos. Tantos, que, entretanto, até já nos tratamos por tu (suprema delícia linguística da intimidade). Tantos, que é uma conversa que não sei quando começou e que nunca acabará. É uma carta em forma de gerúndio, em que estamos conversando.
Escrevo-te uma carta porque sei que o teu nome é remetente assíduo em postais e encomendas para muitos lugares recônditos do globo e que, portanto, gostas de escrever e receber cartas.
Mas sei mais coisas sobre ti: que colecionas presépios, que tens amigos em todas as partes do mundo, que gostas da conversa dos taxistas, que és assídua no IPO, que amaste (e amas) dois Mários, que te falta o café do bairro, que criaste dois filhos lindos e és avó babada, que acreditas em Deus, …
O que eu sei sobre ti não é nenhum privilégio secreto agora revelado. Sei o que todos os teus leitores e amigos sabem, porque, como disseste em entrevista à Rita Ferro, estás sempre a escrever sobre a tua vida. E a tua vida leva quase uma centena de livros, não é?
Por isso, Alice, sabemos muito sobre ti, mas também porque a tua vida é de certa forma a nossa, porque nos reconhecemos nela.
A tua vida, a nossa vida, é a vida das personagens que fizeste ou daquelas que encontraste por aí e guardaste nos livros. Nenhuma delas está lá presa, mas têm nas tuas histórias um lugar amável onde estar vivendo. Nos teus livros, nunca fomos pequeninos, fomos sempre gente grande; mesmo nos 10 anos da Mariana, mesmo a caminho dos 15 anos da Maria João. Nos teus livros, Alice, deste-nos a dimensão de pessoas corajosas e com esperança, fizeste-nos rir na corte do rei Tadinho e acompanhaste as angústias que eram do Abílio, mas também nossas. Crescer assim foi uma maneira de hoje sermos pessoas um bocadinho melhores.
Não só nos deste os livros, como tantas vezes os vieste entregar pessoalmente: verdadeira missionária da educação e da igualdade de oportunidades, escolas de todo o país (continente e ilhas) e também lugares do lá fora, puderam receber-te e estar contigo.
E viram-te, pequena como se fosses grande, sorrindo como se não houvesse tristeza, partilhando como amigos de há séculos. Dizem que quem corre por gosto não cansa, mas sabemos bem que cansa (e muito!) ainda que o gosto não diminua.
O gosto com que nos escreves, com que conversas com todos (conhecidos, desconhecidos, novos e velhos, com casa ou sem teto, na rua ou no Facebook), o gosto com que aguentas as inclemências dos elementos no Parque Eduardo VII ano após ano, com que sorris para as fotografias, com que assinas o A redondo de Alice nos livros que te apresentam, esse gosto é amor. O amor que tens pelos outros, todos, nós, eu.
Esta carta que vou escrevendo, em gerúndio, não diz tudo o que te queria dizer nem diz nada original. Mas ela é assim mesmo: se é gerúndio não se esgota e não quer ser original porque há muitas, muitas outras pessoas que foram tocadas pelo teu amor e que, como eu, se sentem privilegiadas por sentir que somos família.
Antes de terminar, quero dizer que te desejo muitas coisas boas, claro, das que sempre se desejam aos amigos e à família.
Desejo-te um Natal feliz, por exemplo. Um Natal vivido com a alegria de saber que o Menino está chegando. Tu estiveste e estás em todos os meus Natais: um livro no sapatinho, uma história no coração, uma memória ou um sonho.
Obrigada, Alice, minha amiga Alice. Vamos falando. Inês
Alice Vieira nasceu em 1943. É escritora e jornalista. Trabalhou na Fundação Fé e Cultura. Considerada uma das mais importantes autoras portuguesas da literatura infanto-juvenil, os seus livros foram premiados diversas vezes e são recomendados pelo Plano Nacional de Leitura. Fotos em https://www.facebook.com/alice.vieira/.
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