Que sentido faz confessar-me? O que é que isso muda na minha vida? Porque é que tenho de contar a minha vida a um padre? Será que os padres também se confessam? Se são pecadores como é que me podem perdoar? Se faço sempre a mesma coisa e se volto sempre às mesmas coisas que interesse tem a confissão? Como é que sei que Deus me perdoa?
Não posso confessar-me diretamente a Deus?… Isso da confissão não está já ultrapassado?
Num tempo em que ninguém gosta de assumir que errou, onde a culpa tende a ‘morrer solteira’, onde cada um quer ser ‘dono’ de si mesmo, onde não há ‘autoridades imunes’ e isentas; num tempo em que parece que nada é pecado; num tempo em que a Igreja parece perder alguma credibilidade e os padres são cada vez menos e têm cada vez menos tempo… faz sentido ‘pedir’ para me confessar?
E a Igreja como se deve colocar diante desta realidade? O que deve fazer pastoralmente? Não deveria ser mais exigente, mais ‘dura’ para ver se os cristãos ‘ganham’ mais consciência? Não deveria ‘obrigar’ as pessoas a confessar-se mais? Não seria altura de, em certa medida, voltar à ‘desobriga’?
Voltemos ao evangelho e a Jesus
Voltemos ao fundamento, ao ponto de partida, à razão profunda de sermos cristãos. Voltemos a reler a vida e a missão da Igreja à luz da revelação e da tradição mais profundas.
Entre acusação e misericórdia − Jesus optou pela misericórdia; entre legalismo e acolhimento − Jesus optou pelo acolhimento; entre marginalizar ou integrar − Jesus optou por integrar. Talvez não tenha decidido sempre o melhor, talvez se tenha alguma vez arrependido de ter perdoado tanto… mas se somos verdadeiramente cristãos só podemos correr os mesmos riscos.
Oscar Wilde disse que “a única diferença entre um santo e um pecador é que todos os santos têm um passado e todos os pecadores têm um futuro”. Jesus via e apostava nesse ‘futuro’. Jesus deu a cada pecador a possibilidade de uma ‘nova vida’, de um ‘novo recomeço’.
Penso muito no filho pródigo a ser recebido pelo Pai Misericordioso, penso que talvez o filho tenha voltado a sair de casa, mas tenho a certeza que o Pai continuou a recebê-lo em cada regresso de braços abertos. O acolhimento não serve para apagar os pecados, as más opções, os erros, as faltas… mas é a confirmação de que a misericórdia é maior do que o pecado, que o ‘apostar’ no futuro é mais construtivo do que ficar preso e condenado ao passado.
Efetivamente, pode parecer mais fácil e seguro aplicar a lei, a norma, o genérico… mas há muitos casos específicos e complicados, há muitas situações diferentes. Pode até parecer mais justo ter uma lei igual para todos, mas pode tornar-se uma profunda injustiça. Não podemos querer seguir o caminho mais fácil, mais cómodo, mais seguro… e, por tudo isso, mais superficial. Temos que assumir a responsabilidade do discernimento, de escutar a vontade de Deus, de assumir os critérios do evangelho, de formar a consciência e não de a substituir.
O sacramento que nos corrige no amor, que nos (re)coloca no caminho
É neste contexto que precisamos de valorizar o sacramento da confissão ou reconciliação. Não é um sacramento secundário, desnecessário, suprimível… Precisamos de lhe dar mais valor, mais importância, de o (re)colocar na ‘linha da frente’.
Precisamos de fazer dele um lugar claro da misericórdia divina. Não é o lugar do julgamento humano ou da opinião do padre. Não é feito do tamanho e da medida dos homens… mas da misericórdia de Deus.
Precisamos de fazer da confissão um momento que nos anima, que nos (re)coloca no caminho, que enche a nossa vida de graça, que nos ajuda, que nos dá alma e espírito, que nos faz levantar e andar. Não pode ser o momento da simples condenação, do ‘bota-abaixo’, do deprimir, do esmagar, do criar escrúpulos…
Precisamos de fazer da confissão um sacramento que nos ‘corrige no amor’. De facto, ser misericordioso não significa dizer que se pode continuar no erro ou deixa lá. Este sacramento exige compromisso, mudança, conversão.
Pessoalmente, custa-me ouvir dizer mal do amor ou ouvir opiniões de que o amor é ‘fácil’ e ‘banal’… Se somos cristãos, sabemos que o amor de que falamos é o de Cristo e o de que Paulo fala na 1 Cor 13,4-7. O amor é tudo menos facilitador. O amor é exigente e compromete.
O confessionário não é uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia de Deus
Neste contexto, o Papa Francisco, na exortação apostólica Evangelii Gaudium, diz:
é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia. Aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível. Um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida externamente correta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias dificuldades. (EG 44)
A própria fórmula da absolvição assume este sentido: “Deus, Pai de Misericórdia (não diz: juiz ou carrasco), que pela morte e ressurreição de seu Filho, reconciliou o mundo consigo (não diz: condenou, julgou ou marginalizou) e enviou o Espírito Santo para a remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja (não diz: pelas capacidades do padre ou segundo a opinião do padre), o perdão e a paz”. Termina com o sacerdote a ‘emprestar’ a voz a Deus: E EU TE ABSOLVO DOS TEUS PECADOS, EM NOME DO PAI, E DO FILHO E DO ESPÍRITO SANTO.
Quando nos confessamos com sinceridade, quando somos acolhidos com misericórdia e quando somos capazes de acolher com profundidade a graça de Deus… uma confissão pode mesmo mudar a (nossa) vida. Só a graça nos reconcilia, só a força de Deus nos pode curar e libertar de tudo o que não nos deixa ser nós mesmos – criados à imagem e semelhança de Deus.
Confessar-se a Deus através de um ministro da Igreja
Deste modo, a confissão não está centrada no padre, ainda que seja muito importante como instrumento e como facilitador (ou não) do encontro com o Senhor. O que está em jogo é a possibilidade de me confessar a Deus através de um padre (ministro da Igreja) e ouvir dele o Perdão, a Paz e a Graça que só Deus pode dar.
Claro que os padres também pecam. São seres humanos. Mas quando estão a confessar estão a tornar presente o próprio Cristo que ouvimos nos evangelhos.
Claro que também os padres têm de se confessar e também sentem o drama de ser difícil a conversão de vida… Mas um dia todos, os padres e cada cristão, vão regressar à casa do Pai, cansados de tantas ‘saídas’ e de tantos regressos − como acontece em cada eucaristia e em cada confissão celebrada. Todos um dia serão vencidos definitivamente pelo amor. Todos um dia regressarão para sempre à Casa do Pai.