A Tarde do Cristianismo

Obra: A Tarde do Cristianismo
Autor: Tomás Halík
Edição: Paulinas
Páginas: 312

O nome do teólogo checo Tomás Halík já se tornou conhecido entre nós graças a uma série de traduções de obras suas que nos foram chegando, revelando-o como uma das vozes contemporâneas mais originais na hora de pensar a vivência cristã no contexto do mundo ocidental. A Tarde do Cristianismo constitui sem dúvida uma obra de grande fôlego e maturidade, que nos situa nas dimensões centrais do que define a nossa vida cristã.

A metáfora da Tarde aponta para as etapas de vida de uma pessoa, aplicada aqui à história do Cristianismo: após uma manhã “mítica” de nascimento e apogeu da sociedade cristã antiga e medieval, a crise do meio-dia associa-se com a perda de influência dos ritmos e valores cristãos na Modernidade. O tempo atual será, de acordo com Halík, muito favorável – aplicando o termo grego, presente no Novo Testamento, de kairos – para um Cristianismo maduro, capaz de dialogar com as nossas buscas espirituais mais profundas. Já não se trata tanto de defender e debater a fé perante o ateísmo e a ciência, como boa parte da teologia se preocupou, mas em ir de encontro ao estado mais comum entre nós: o de uma credulidade/incredulidade latente, sonâmbula, dividida entre cristãos pouco formados e com uma prática religiosa difusa, e largas camadas do que o autor chama de nones: nem pertencem, nem rejeitam, simplesmente não se revêem nas propostas espirituais das instituições eclesiais.

O Autor traça um percurso sobre o que podemos compreender por fé ou por crer. Não se trata de um simples assentimento aos valores e doutrinas apresentados pela Igreja. O crer é um processo que pertence a qualquer vida humana, na medida em que esta se constitui na base de uma confiança fundamental – nas relações, na palavra, no futuro. No caso eclesial, este crer encontra-se fortemente abalado, quer pela ausência de propostas de renovação espiritual, quer pelos escândalos relacionados com os abusos sexuais. Se o magistério do Papa Francisco se caracteriza pela busca de uma renovação eclesial em linha com o Evangelho e o Vaticano II, a ausência de mudanças fundamentais nas estruturas eclesiais faz com que a vida cristã na sociedade ocidental permaneça num lento declínio.

É aqui que surgem novas oportunidades para o Evangelho: compreender que a missão dos crentes não passa por moldar ou ocupar todo o espaço social mediante um discurso centrado nos valores, mas criar sim propostas de aprofundamento e qualidade espiritual que sejam capazes de dialogar, sem proselitismos, com o desejo humano e espiritual que em todos habita. Para tal é necessário aprofundar a experiência do Deus que, em Jesus, se revela como Amor pascal – capaz de assumir tudo o que de pecado e de morte constitui o nosso mundo, para o transfigurar numa vida nova. Não se trata de fazer grandes planos ou eventos pastorais, mas de imprimir um novo cunho humano às pequenas práticas que ainda teimam em persistir, no quotidiano dos nossos dias.

A evangelização – tarefa central da Igreja – nunca será suficientemente “nova” nem eficaz se não penetrar na dimensão profunda da vida humana e da cultura humana, que é o habitat da espiritualidade (…) A tarefa que aguarda o Cristianismo nesta tarde da sua história consiste em grande medida no desenvolvimento da espiritualidade – e uma espiritualidade cristã recém-compreendida pode dar um contributo significativo à cultura espiritual da humanidade de hoje, muito para lá das fronteiras da Igreja.

(p. 226)

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