À sombra do invisível

Pensar a fé, a vivência e o exercício do Espírito evangélico nos dias comuns, é a tarefa da teologia, mais do que enunciar e provar fórmulas doutrinárias. Tal exercício pede atenção, humildade e escuta dos rumores divinos na vida humana, no que de mais belo e também de mais dramático acontece na comunidade dos crentes e de toda a humanidade. “A diferença não está tanto entre crente e incrédulos, mas entre seres pensantes e seres não-pensantes”. A disponibilidade para o fazer é rara: o testemunho dessa busca no nosso contexto mais raro é. Daí o significado deste volume, agora saído a público.

O autor é presbítero da Arquidiocese de Braga, teólogo de formação e investigador na área da filosofia. “Este ensaio deseja ser uma meditação global da existência a partir de uma certa experiência crente”. Três são os andamentos que constituem estes fragmentos: uma primeira parte tecida com artigos de fundo, unidos pela luz litúrgica do Advento, da esperança como constituinte da experiência; uma segunda parte composta por homilias, elaboradas não na habitual chave de “receitas” morais fechadas, mas na pergunta em ato, no diálogo entre a sabedoria bíblica e os passos do quotidiano. “O Evangelho questiona-nos sempre. Uma leitura crente maturada busca a questão e não tanto a resposta!”. Finalmente, uma terceira parte nas quais nos são propostas leituras de arte, de cinema, de ecologia, como sonhos de um mundo a construir.

Nestes fragmentos encontramos os traços do mistério divino como o Aberto, Aquele que vem, que se dá a conhecer nas sombras, amanheceres e entardeceres da vida humana – da arte, do pensamento, das relações, do corpo – mais do que nas certezas terraplanadas de uma catequese feita de doutrinas e de uma prática eclesiástica preocupada em manter a influência social sobre “praticantes” e “não-praticantes”. Na leitura atenta do Evangelho, o autor procura “despertar-nos da sonolência ou do torpor espiritual, do hábito devocional sem profecia, da falta de coragem profética” no seguimento de Jesus. “Quem é este homem que chama homens e mulheres para o seguirem, que acalma o mar, ama o pecador e perdoa os pecados, e diz ser filho de Deus? Participamos nós com a nossa existência frágil, na vida despojada e liberta de Cristo? Como poderemos segui-Lo livremente no nosso quotidiano de fadigas e alegrias e aí testemunhar discretamente que o Reino de Deus está próximo, que está entre nós?”.

A formulação das palavras sobre o mistério de Deus surge alimentada pela leitura de vozes marginais da tradição espiritual cristã – os místicos, os filósofos, os poetas. “Deus, silêncio subtil e tímido na hodierna carna do mundo, mas sempre presente ou sussurrante”. As metáforas da sombra, do invisível, da nuvem e da sabedoria apontam-nos as direções e interrogações que este ensaio corajosamente nos coloca. A sua leitura pede tempo, lentidão, e um saborear de palavras que conduzirão a leitora e o leitor, seja qual for a sua formação ou lugar em que habita, a descobrir como, afinal, a teologia pode ser bela e interpelante quando se põe à escuta do Humano e do Divino, belos e interpelantes.

Nestes fragmentos encontramos os traços do mistério divino como o Aberto, Aquele que vem, que se dá a conhecer nas sombras, amanheceres e entardeceres da vida humana – da arte, do pensamento, das relações, do corpo.


À Sombra do Invisível
Autor: João Paulo Costa
Edição: Documenta
Páginas: 288

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