Embora este documento tenha sido tecnicamente dirigido ao Cardeal Maurice Roy, arcebispo de Quebec, pela sua formulação e conteúdo é um texto semelhante ao de uma Encíclica pelo que é claramente dirigido a todo o mundo católico. Datada de 14 de Maio de 1971, a Carta celebra, como o título indica, o octogésimo aniversário da encíclica Rerum novarum (RN).
Desde a promulgação da encíclica Populorum progressio (PP) em 1967, tinha-se tornado claro para o Papa que o conceito de desenvolvimento, só por si, não abrangia a totalidade dos problemas dos países subdesenvolvidos, sendo necessário incluir na equação, questões de ordem ambiental:
À medida que o horizonte da pessoa se modifica a partir das imagens que se seleccionam para ela, uma outra transformação começa a fazer-se sentir, consequência tão dramática quanto inesperada da atividade humana. De um momento para outro, a pessoa toma consciência de que, por motivo de uma exploração inconsiderada, começa a correr o risco de destruir a natureza e de vir a ser, também ela, vítima dessa degradação. Não é só o ambiente material que se torna uma ameaça permanente – poluições e resíduos, novas doenças, poder destruidor absoluto -, é mesmo o quadro humano que as pessoas já não conseguem dominar, preparando-se assim, para o dia de amanhã, um ambiente global que poderá tornar-se insuportável (OA 21).
Na sua primeira e programática encíclica, a Redemtor hominis (RH), de 1979, João Paulo II, dá o tom: “Parece que estamos cada vez mais conscientes do facto de a exploração da terra, do planeta onde vivemos, exigir um planeamento racional e honesto” (RH 15). Ainda em 1979, proclama, através da bula papal Inter sanctus (IS), São Francisco de Assis como patrono da ecologia e dos ecologistas. Em 1981, na encíclica Laborem exercens (LE), o Papa debruça-se sobre o “aumento dos custos de energia e das matérias-primas; a crescente tomada de consciência dos limites dos recursos naturais e da sua insuportável poluição” (LE 1). Mais tarde, publica o documento que melhor esclarece o seu pensamento sobre a preservação do meio-ambiente, a 23ª Mensagem para o Dia Mundial da Paz (1990), Paz com Deus Criador, Paz com toda a Criação:
Observa-se nos nossos dias uma consciência crescente de que a paz mundial está ameaçada, não apenas pela corrida aos armamentos, pelos conflitos regionais e por causa das injustiças que ainda existem no seio dos povos e entre as nações, mas também pela falta do respeito devido à natureza, pela desordenada exploração dos seus recursos e pela progressiva deterioração da qualidade de vida…
Bento XVI na encíclica Caritas in veritate (CA), de 2009, dá continuidade ao pensamento de João Paulo II, acentuando a questão do desenvolvimento integral do ser humano:
O livro da natureza é uno e indivisível, tanto sobre a vertente do ambiente como sobre a vertente da vida, da sexualidade, do matrimónio, da família, das relações sociais, numa palavra, do desenvolvimento humano integral (CA 50).
O papa Francisco através de vários documentos do seu pontificado tem vindo a exercer uma ação pedagógica idêntica à dos seus antecessores acrescentando o sentido de urgência, e apontando caminhos concretos. Se a encíclica Laudato si (LS) é o texto onde expressa o seu pensamento sobre o ser humano e a sua relação com o meio-ambiente, é na sua última exortação apostólica, Querida Amazónia, que, usando metaforicamente a imagem de uma Igreja de rostos novos com traços amazónicos, aprofunda e faz o discernimento das questões ecológicas e ambientais mais prementes que põem em risco a própria sobrevivência da humanidade.
Ainda este ano, na mensagem para o 54º Dia Mundial da Paz, A cultura do Cuidado como Percurso de Paz, Francisco relaciona paz, justiça e salvaguarda da criação:
Desta escuta atenta e constante pode nascer um cuidado eficaz da terra, nossa casa comum, e dos pobres. A propósito, desejo reiterar que não pode ser autêntico um sentimento de união íntima com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo não houver no coração ternura, compaixão e preocupação pelos seres humanos. Na verdade paz, justiça e salvaguarda da criação são três questões completamente ligadas, que não se poderão separar para ser tratadas individualmente, sob pena de cair novamente no reducionismo.
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