A proposta de Francisco

A eleição de Jorge Mario Bergoglio como bispo de Roma após a renúncia de Bento XVI não deixou de ser uma verdadeira surpresa, não só pela escolha de um cardeal argentino, mas também pelo impacto imediato e feliz da sua personalidade entre católicos e não católicos. Percebeu-se de imediato que algo estava a mudar.

Se esta mudança levantou muitas questões sobre a crise da Igreja, sobretudo depois da inédita renúncia de um papa, não há dúvida de que as propostas de um papa oriundo de outro continente (um papa do fim do mundo nas suas palavras) devem ser indagadas e refletidas naquilo que parece ser uma nova “primavera” do catolicismo.

De facto, a proposta do Papa não se encontra plasmada num documento programático.

A sua proposta vai sendo desvelada pela sua capacidade e qualidade de comunicação estabelecida com as pessoas, dentro e fora da Igreja. Uma proposta que não é populista, nem sentimental. Uma proposta que vem de longe e que se percebe quando se estuda a história e o seu pensamento. Pensamento que foi amadurecendo em torno dos temas centrais da vida da Igreja e da sua posição na sociedade contemporânea. Em particular a atenção que tem dedicado às alterações verificadas nas últimas décadas com a afirmação indiscutível da globalização e as suas consequências na vida económica e social.

A sua resposta a um mundo transformado, plural e habitado por grandes cidades tem como referência o concílio Vaticano II e os anos pós conciliares de Paulo VI e João Paulo II, e ainda numa reflexão efetuada no grande laboratório que foi a sua Argentina, com as suas dificuldades e contradições.

O Papa Francisco a utilizar a língua gestual durante uma audiência com os participantes da Conferência para Pessoas com Deficiência promovida pela Conferência dos Bispos Italianos, Cidade do Vaticano, 10 de junho de 2016. EPA / OSSERVATORE ROMANO
O Papa Francisco a utilizar a língua gestual durante uma audiência com os participantes da Conferência para Pessoas com Deficiência promovida pela Conferência dos Bispos Italianos, Cidade do Vaticano, 10 de junho de 2016. EPA / OSSERVATORE ROMANO

Com uma visão articulada e meditada do mundo global, das suas vicissitudes humanas e, sobretudo, dos problemas e desafios da Igreja Católica, este papa, eleito aos 76 anos, revelou desde logo uma grande juventude, uma forte esperança e, poderia dizer-se, um “sonho” para a sua Igreja. Um “sonho” amadurecido pelo gosto de uma vida caracterizada pelo encontro e o diálogo com os outros. Um papa que não tem uma atitude negativa relativamente ao mundo contemporâneo. Sem ignorar os limites e as contradições deste mundo, a sua relação com a realidade está marcada por uma profunda simpatia que se traduz numa atenção pessoal às histórias das mulheres e dos homens, especialmente dos mais pobres. É esta simpatia que caracteriza indelevelmente o modo como o papa vai encarando os diversos problemas que se apresentam à sua frente. Mas não só.

No dia 19 de Março, deste ano, Francisco assinou a sua terceira Exortação Apostólica com o título Alegrai-vos e exultai que vem na sequência das duas primeiras: A alegria do Evangelho e A alegria do amor. Evidentemente que esta insistência não é um acaso. Com uma especial atenção às urgências do nosso mundo, a alegria é o olhar positivo que acentua a convicção de que é preciso redescobrir por entre tristezas, violências e enganos aquilo que realmente importa: o sentido da e para a vida.

A Igreja de Francisco não é uma Igreja somente de estruturas, ainda que lhes reconheça o valor matricial: é, acima de tudo, um “povo” espalhado pelos quatro cantos do mundo que o papa quer guiar, acompanhar e eventualmente seguir. Francisco tem o sentido de “povo” e acredita que este tem recursos espirituais para expressar, caminhos para sugerir e energias para oferecer.

É neste contexto que a evolução do papel das mulheres na Igreja deve ser enquadrada e não como algo que se possa assegurar e definir independentemente duma visão global e integrada da vida da Igreja e do seu caminhar neste mundo global e cada vez mais complexo. Francisco é, por isso, um interlocutor privilegiado e a candeia que alumia um caminho que se apresenta difícil e complexo, mas possível de ser percorrido.

Assim, aceitar a proposta de Francisco, é ir ao encontro de homens e mulheres com histórias diferentes, na edificação de uma Igreja que, acima de tudo e para o bem da humanidade, deve ser fecunda para o mundo.

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