Há expressões que, pouco a pouco, vão ganhando espaço no nosso quotidiano e que, quase sem darmos por isso, se vão impondo de tal modo que se tornam de uso corrente, acabando por ser utilizadas sem questionamentos. À partida esta situação não levanta problemas, pois se essas expressões se impõem é porque cumprem o seu papel no âmbito da nossa comunicação.
Mas será que é sempre assim? Será que sempre essas expressões traduzem verdadeiramente aquilo que queremos dizer e significar com elas?
Esta minha dúvida levanta-se a propósito da expressão distanciamento social a que todos nós hoje nos habituamos, não só porque constantemente a ouvimos, como também porque frequentemente a utilizamos.
Distanciamento Social ou Distanciamento Físico
Sou capaz de perceber, julgo mesmo que todos somos facilmente capazes de o fazer, o que com ela se pretende evocar: face à situação em que vivemos somos fortemente aconselhados a manter uma determinada distância de modo a evitar a fácil propagação do vírus que a todos nos afeta. E de tal modo ela traduz bem essa necessidade que acabou por se tornar de uso corrente não só entre nós, como também nos outros países. Basta fazer uma rápida passagem pelos principais canais noticiosos para facilmente nos podermos aperceber desta realidade.
Não me atrevo a dizer que ela surgiu do nada, não tendo sido suficientemente ponderada, nem sequer ouso afirmar que é utilizada de um modo irrefletido. Estou mesmo em crer que ela veio para ficar e com ela traduziremos sempre uma parte muito importante desta experiência que estamos a viver.
Mas apesar de todas estas evidências não posso deixar de partilhar o desconforto que ela me causa. Não o faço por querer ser diferente ou ir apenas contra a corrente, nem, muito menos, por julgar que estou mais certo do que os outros. Faço-o por julgar que não é suficientemente certeira e por me parecer não apontar para o caminho que julgo ser o mais oportuno e necessário.
O que verdadeiramente temos de manter é um distanciamento físico e não social. Esse até deve ser, no meu entender, mais encurtado neste momento que estamos a viver. Afastados fisicamente uns dos outros, sim, mas próximos, muito próximos, do ponto de vista social, sobretudo daqueles que são os mais frágeis.
Se há coisa que esta pandemia também nos está a mostrar com toda a evidência é que estamos todos no mesmo barco. Quanto mais nos articularmos e agirmos unidos, mais facilmente conseguiremos lidar com a situação.
Atenção, Cuidado e Proximidade
Em bom rigor, o momento que estamos a viver mostra-nos bem como o individualismo egoísta é um outro vírus, tão ou mais perigoso do que aquele a que comummente chamamos COVID 19. Tanto um como o outro combatem-se com a atenção e o cuidado, atrevo-me mesmo a dizer com a proximidade.
É por isso que todos, neste momento histórico que estamos a viver, procuramos essa proximidade, apesar da necessidade imperiosa da distância física. É por isso que utilizamos todos os meios ao nosso alcance, não só para estarmos próximos dos que nos são mais queridos, mas também daqueles que sabemos mais sozinhos. Neste tempo até tem acontecido aproximarmo-nos mais daqueles com quem habitualmente não falamos.
Distanciamento físico sim! Distanciamento social não! Pelo contrário, o que precisamos é de redescobrir uma proximidade que, talvez sem precisar de tantos amontoamentos, possa traduzir bem como a vida humana se fundamenta e desenvolve na relação. Da qualidade humana deste exercício de proximidade dependerá também, disso estou cada vez mais convencido, o futuro que estamos a construir.
No fundo a experiência cristã é também disto que trata: da proximidade de Deus com o ser humano e da presença próxima que somos convidados a ter uns com os outros no exercício da nossa existência. É também disso que trata a celebração da Páscoa. A ressurreição não se refere apenas à vida. Ela aponta e abre-nos definitivamente para a vida como dom e como relação, ou, se quisermos dizer de outra maneira, abre-nos para o mistério da vida como mistério de proximidade.
Foto da capa: Dona de uma loja de roupas para crianças durante a emergência do Coronavírus em Roma, em 14 de abril de 2020. Foto EPA / MAURIZIO BRAMBATTI BT.
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