A primeira escolha

Texto de Fabio Scarsato

Crescer é escolher uma existência única entre as infinitas possibilidades.

Existem escolhas temporárias e escolhas definitivas, que, por sua vez, envolvem outras, pequenas e diárias. É isso que a história de Fernando-António nos ensina …

Fazemos de tudo, encontramos todas as desculpas e, até, exibimos certificados de demérito para adiar ao máximo o momento da decisão. Temos medo de escolher e, depois, temos medo de ter errado.

Como se uma escolha fosse eterna e não implicasse uma procura contínua. Ou como se a grande escolha, essa sim definitiva e exigente, não fosse o resultado  de muitas pequenas escolhas diárias aparentemente insignificantes.

Ou como se, a não escolha, não fosse ela também uma escolha.

Quando no silêncio ressoa a Palavra, a Palavra ressoa em todas as palavras humanas.

Assim, o nosso Fernando, reconhecendo que nem todos os lugares são igualmente bons para procurar, opta, de forma decidida e convicta, por um local bem definido, a algumas centenas de metros de distância de sua casa: o mosteiro de São Vicente, dos cónegos regrantes de Santo Agostinho. 

Fernando é muito novo, tem na cabeça os ideais e as inconsistências da idade, mas tem também a impulsividade e a impetuosidade, o desejo de fazer as coisas por sua conta, a generosidade e o idealismo desligado da realidade, provavelmente também, uma boa dose de inconformismo, procurando ser original e dar nas vistas.

Não temos a certeza que, nesta altura, ele tenha, real e conscientemente, escolhido Deus. Se calhar, talvez nem seja importante sabê-lo. Para Deus não é, certamente, um problema.

De facto, Ele, por várias vezes, irá demonstrar na vida de Fernando-António, que sabe esperar pacientemente e surpreender-nos com emboscadas nos momentos mais impensáveis.

E, eventualmente, refazer de novo com paciência o percurso dos seus projetos para nós, de modo que nem as curvas, nem os obstáculos, nem os caminhos errados, nem as paragens nas “boxes” nos empurrem para, não digo uma vida desperdiçada, mas  para uma vida que não alcança a meta. Mas esse, não é problema nosso, mas d’Ele.

No mosteiro, todavia, Fernando não encontra o sentido da vida que procura (a que por preguiça e comodidade chamamos Deus, antes de percebermos se é verdadeiramente Ele quem buscamos).

Fernando encontra, certamente, dois caminhos para chegar lá ou, pelo menos, para clarificar as suas ideias e pôr-se à prova, de modo a não deixar-se cair em sentimentalismos piedosos e aspirações desencarnadas.

Estamos a falar das dimensões essenciais do silêncio e da Palavra de Deus; que são, antes de mais, uma realidade, não retórica ou simbólica, mas concreta e material. Na verdade, o mosteiro podia realmente oferecer muito silêncio nos seus ambientes recolhidos e protegidos, no ritmo calmo e sereno dos dias, na tranquilidade garantida a cada monge e na sábia alternância de momentos de fraternidade e de tempos de solidão. E, naturalmente, uma abundância da Palavra de Deus, rezada no coro, lida no refeitório, transcrita no scriptorium e estudada na rica biblioteca conventual. Silêncio palpável em primeiro lugar, pesados e preciosos códices com iluminuras, em segundo lugar: não se pode negar que Fernando tinha encontrado pão para a sua boca, ou seja, um lugar para viver! 

Ele, por sua vez, com austera disciplina severa e metódica aprendizagem, aprendeu a ouvir profundamente o primeiro e o segundo. Até se dissolverem numa grande mistura: onde no silêncio ressoa a Palavra e a Palavra ressoa em todas as palavras humanas, mas também no som do vento, no aguaceiro da chuva ou no som dos animais. Nada mal como aprendiz: “Deus, que cuida da erva dos campos, como não há de preocupar-se, também, comigo?”, terá pensado Fernando no silêncio de sua cela.


Ilustração: Luca Salvagno

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