A política melhor

No momento em que escrevo este texto ainda não sei o resultado das eleições legislativas, pelo que desconheço a composição e o desenho do governo que delas resultou. O que quero partilhar, pode, no entanto, ser dirigido a qualquer um dos políticos que esteja a desempenhar essa nobre missão de governar o nosso país.

Temos, nos últimos tempos, acompanhado uma diversidade de debates onde os vários intervenientes tentaram dar a conhecer as múltiplas propostas que os partidos que representam têm para Portugal. No meio, por vezes, de diálogos acesos e até pouco corretos e ainda menos esclarecedores, foi sendo possível perceber semelhanças e diferenças, foi sendo possível identificar propostas concretas.

De um modo geral, julgo que não podemos deixar de acreditar que cada um desses protagonistas defendeu e defende aquilo que verdadeiramente acredita ser o melhor para os portugueses. Mas também não podemos ser ingénuos ao ponto de não perceber que o poder é muito sedutor, pelo que facilmente nos podemos deixar cativar por ele, procurando-o para o pôr ao serviço de certos interesses que, muitas vezes, não têm a preocupação de estar ao serviço de todos.

Ao pensar nisto senti a necessidade de revisitar o Capítulo V da Encíclica Fratelli Tutti, que tem como título A política melhor. Dessa leitura destaco aqui algumas passagens (se bem que recomende vivamente a leitura na íntegra de todo o capítulo) que deixo como desafio e interpelação a aqueles que hoje nos governam. Logo no início do capítulo podemos ler o seguinte:

Para se tornar possível o desenvolvimento duma comunidade mundial capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social, é necessária a política melhor, a política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum.

(FT, 154)

A política melhor, aquela que verdadeiramente precisamos, aquela que é um exercício nobre, surge quando colocada ao serviço do verdadeiro bem comum e não só daqueles que nos rodeiam e são nossos contemporâneos, mas também das gerações futuras, como se pode ler no nº 178, no qual aparece citada a conferência episcopal Portuguesa:

Perante tantas formas de política mesquinhas e fixadas no interesse imediato, lembro que “a grandeza política mostra-se quando, em momentos difíceis, se trabalha com base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo. O poder político tem muita dificuldade em assumir este dever num projeto de nação” e, mais ainda, num projeto comum para a humanidade presente e futura. Pensar nos que hão de vir não tem utilidade para fins eleitorais, mas é o que exige uma justiça autêntica, porque, como ensinaram os bispos de Portugal, a terra “é um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte”.

(FT, 178)

Exercida neste horizonte, a atividade política pode bem ser capaz de se traduzir em atitudes que podendo ser interpretadas como ingénuas, por muitos, não podem, no entanto, deixar de ser um objetivo sublime a perseguir, como se pode ler no nº 190:

A caridade política expressa-se também na abertura a todos. Sobretudo o governante é chamado a renúncias que tornem possível o encontro, procurando a convergência pelo menos nalguns temas. Sabe escutar o ponto de vista do outro, facilitando um espaço a todos. Com renúncias e paciência, um governante pode ajudar a criar aquele poliedro bom onde todos encontram um lugar. Nisto, não resultam as negociações de tipo económico; é algo mais: é um intercâmbio de dons a favor do bem comum. Parece uma utopia ingénua, mas não podemos renunciar a este sublime objetivo.

(FT, 190)

A finalidade destas citações (e podiam ser tantas outras) não é querer dar lições a ninguém. Verdadeiramente não me julgo melhor, nem mais capaz de realizar o que muitos políticos sérios (e há muitos) realizam. Pretendo apenas, por me parecer ser tempo oportuno para o fazer, voltar a lembrar e a sublinhar que a procura do bem comum é a razão de ser de toda a atividade política e que sempre que ela se coloca ao seu serviço, é a política melhor.

E quando a política é melhor, então é mesmo bem possível ter esperança num futuro melhor.

[…] é grande nobreza ser capaz de desencadear processos cujos frutos serão colhidos por outros, com a esperança colocada na força secreta do bem que se semeia. Ao amor, a boa política une a esperança, a confiança nas reservas de bem que, apesar de tudo, existem no coração do povo. Por isso, “a vida política autêntica, que se funda no direito e num diálogo leal entre os sujeitos, renova-se com a convicção de que cada mulher, cada homem e cada geração encerram em si uma promessa que pode irradiar novas energias relacionais, intelectuais, culturais e espirituais”.

(FT, 196)

Contribuir para esse futuro, torna-se, então, a tarefa de todos e de cada um.

Cada voto conta
Cada voto conta

Foto da capa: A terra “é um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte”. Foto metamorworks – stock.adobe.com.

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