A seguir a cada fim há (sempre) um recomeço. Mesmo quando tudo parece terminado pode surgir uma nova esperança. Mesmo quando a morte parece o fim…
O próprio Jesus já nos tinha recordado que “se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto” (Jo 12,24). Às vezes é preciso morrer para dar fruto…
O fim de um dia é apenas o começo da noite, o fim de um mês é apenas o começo do mês seguinte, o fim de cada ano é apenas o início de um novo ano. Mesmo que eu não queira, mesmo que o meu coração não esteja com ‘vontade’… o novo ano impõe-se serenamente.
A história dos recomeços impõe-se para além das minhas vontades e dos meus desejos. Não é tanto uma questão pessoal, mas uma questão de ritmo, de natureza, de harmonia, de equilíbrio estrutural… Por tudo isto, gosto de pensar a vida também à luz do ciclo da natureza. Num tempo em que a afirmação pessoal fala tão alto, num tempo em que a vontade individual tem tanto peso, num tempo em que tudo parece que pode ser comandado por cada um… é bom ‘afastar-se’ e sentir que há um ritmo para além de nós, há um ciclo da natureza que se impõe.
Talvez por isso mesmo fosse interessante voltar a ouvir as Quatro Estações de Vivaldi, composto por volta de 1725. Voltar a ouvir e a refletir sobre o ‘sentido’ mais profundo que daí pode surgir. Tal como na música, cada estação tem um ritmo, cada andamento tem um tom, cada pauta conduz-nos num itinerário existencial. Quatro enquadramentos, quatro cenários, quatro modos de celebrar a mesma vida.
Também na vida temos muitos momentos, muitas fases, muitos tons… mas a música não pára e cada andamento leva a outro. Quer na música, quer na vida, impressiona a grandeza de cada um dos momentos: esperança, euforia, serenidade, tristeza, alegria, sofrimento, paixão, desilusão, entrega, receio… Mas o mais interessante é que a música não pára e cada fim abre a um novo princípio.
Voltemos à música. Sabem qual é o primeiro andamento (1º concerto)? Sabem em que estação começa a música?… Isso mesmo, na Primavera! É interessante começar na primavera, começar na esperança, no renascimento, no brotar da vida…
O calendário antigo começava na primavera
Não é por acaso que o calendário antigo começava também na Primavera (mais ou menos em março). Não é por acaso que, nessa altura, o mês sete fosse setembro, e o oito fosse outubro, o nove fosse novembro e o dez fosse dezembro.
Mas nós agora começamos dois meses antes, em pleno inverno – começamos o ano em janeiro. Não deixa de ser estranho terminar o ano no inverno e começar um novo ano no inverno (claro que falo nesta parte do hemisfério).
Daí que andemos com os ritmos trocados e setembro seja o nono mês, outubro seja o décimo mês…
As Quatro Estações de Vivaldi

Voltemos à música. Os quatro concertos, que Vivaldi apresentou e que fazem as Quatro estações, são em Mi maior; Sol menor; Fá maior e Fá menor. Quatro tons diferentes para enfrentar a realidade de todos os dias.
O problema é quando queremos viver sempre uma só estação ou quando pensamos que a vida tem que ser uma só estação ou quando desejamos eternizar uma só estação. Mas a vida revela-nos outra grandeza, impõe-nos um ritmo, fala-nos de vários tons…
Um problema que não é menor está no facto de ficarmos amargurados numa estação e pensarmos que, por exemplo, o inverno é o fim, que não há mais nada depois… mas a seguir ao inverno vem sempre a primavera… A seguir à primavera vem o verão e a assim sucessivamente.
Sucessivamente é já uma palavra muito interessante porque nos fala de continuidade, de sequência. A vida acontece sem interrupção.
Esta ideia da vida pode ajudar-nos a perceber que a seguir a um grande problema pode haver sempre uma grande oportunidade. Mas também nos pode ajudar a compreender que não podemos dar nada como garantido e já assegurado, nomeadamente nas relações…
Somos homens e mulheres que nos inserimos numa história maior e somos transformados por um ritmo que nos diz…
Retomemos as Quatro Estações de Vivaldi.
Que Deus recolha todas as nossas lágrimas e nos ajude a reescrever a esperança no livro da vida.
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