A Palavra de Deus
Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus […].
Jo 20, 19-31
Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe os outros discípulos : “Vimos o Senhor”.
Mas ele respondeu-lhes : “Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei”.
Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa e Tomé com eles. Veio Jesus, estando as portas fechadas, apresentou-Se a Tomé e disse: “Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente”. Tomé respondeu-Lhe: “Meu Senhor e meu Deus!”.
Disse-lhe Jesus: “Porque Me viste acreditaste; felizes os que acreditam sem terem visto”.
A palavra de Santo António
Ó divina disposição, ó piedosa dúvida do discípulo!
“Se não vir nas suas mãos…”.
Desejava ver o tabernáculo de David reedificado, porque caíra.
Por David entende-se a divindade;
pelo tabernáculo, o corpo do mesmo Cristo, no qual esteve a divindade.
Esse tabernáculo partiu pela sua paixão e morte.
O Senhor reparou-o na sua Ressurreição.
Dele diz Tomé : “Se não vir nas suas mãos…”.
O piedoso Senhor não quis deixar perplexo o discípulo que duvidava piedosamente
e, misericordiosamente, lhe tirou todas as trevas da dúvida.
Respondeu Tomé : “Meu Senhor e meu Deus”.
Não diz: porque tocaste, mas: porque viste.
A vista é um sentido de algum modo geral, que costuma abranger os outros quatro.
Talvez não ousou tocar, mas viu olhando somente ou ainda tocando.
Via e tocava o homem e, acima do que via e tocava, acreditava, já removida a dúvida,
e confessava o que não via.
“Tomé, viste-me homem e acreditaste-me Deus”.
Sermões de Santo António, Domingo na oitava da Páscoa
Aprofundemos
António julga positivamente a dúvida de Tomé e o seu ato de fé, realizado não com o tocar, mas com o ver.
A dúvida: uma graça.
A dúvida é considerada, não como um defeito, mas como um ato positivo, um gesto de piedade da parte de Deus, que permite ao discípulo, não hesitar no seu ato de fé, mas torná-lo mais seguro. Em outra passagem dos Sermões, António julga positivamente a alternância da certeza que a fé dá sobre as verdades eternas e o vento da dúvida que deixa espaço para a busca de uma fé mais adulta: “A terra e o mar são desviados ao mesmo tempo, quando a fé certa acerca das verdades eternas fortalece o espírito e o vento da dúvida o desvia para aqui e para lá”.
A dúvida de Tomé é, portanto, um gesto de misericórdia da parte de Deus: “Ó divina disposição, ó piedosa dúvida do discípulo!”
Ver e crer.
Jesus não disse a Tomé: “Tu acreditaste, porque tocaste, mas: porque viste”. A visão é um sentido geral que abrange os outros quatro. Talvez ele não se atreveu a tocar, mas viu com o olhar de seu coração e tocou. Ele viu Jesus como um homem e, acima do que viu, tocou com os olhos do seu coração e acreditou que ele era Deus.
Oh, quanto mais afortunados, assegura Jesus, são aqueles que acreditam sem terem visto! Na altura em que João escreveu o Evangelho, muitas comunidades cristãs não tinham chegado a ver Jesus, mas acreditaram no testemunho daqueles que o viram, especialmente no dos mártires. Nós também nos encontramos no número desses crentes, que veem Jesus com os olhos da fé. A nossa fé não se baseia no facto de ter visto Jesus pessoalmente, mas por vê-lo e ouvi-lo em tantos pobres e sofredores do nosso tempo.
Peçamos à misericórdia de Jesus Cristo que tire do nosso coração toda a dúvida e imprima nos nossos corações a fé na sua paixão e ressurreição.
Foto da capa: Mosaico A dúvida de Tomé. Catedral de Santa Maria-a-Nova, Monreale, Sicília. Construção iniciada em 1147, por ordem de Guilherme II da Sicília, nela trabalharam mestres árabes, venezianos e bizantinos. Foto 2015 José Luiz I Commons Wikimedia.