Agradecemos ao Jornal Correio de Coimbra, por nos ter concedido publicar parte da entrevista feita a Lluís Martinez Sistach, Cardeal Arcebispo emérito de Barcelona, concedida durante as Jornadas de Formação Permanente da Diocese de Coimbra. O texto foi retirado da entrevista realizada por Carlos Neves.
O Papa Francisco
O Papa atual tem dado uma imagem diferente da Igreja, mais próxima das pessoas, de tal modo que as pessoas não crentes têm agora uma imagem mais positiva da Igreja.
O Papa Francisco tem uma dupla qualidade: fala daquilo que interessa às pessoas e di-lo com uma linguagem que as pessoas entendem. É uma pessoa corajosa, porque diz o que às vezes é difícil de dizer; é uma pessoa que está próxima dos pobres, dos marginalizados. Recordemos Lampedusa, a sua primeira saída apostólica, o seu primeiro grito de abertura e acolhimento às pessoas em fuga, que ficavam sepultadas no Mediterrâneo.
E, depois, repare-se na iniciativa do Ano Santo da Misericórdia! Não precisava de o fazer, mas quis convocá-lo. Porquê? Porque há muita gente que sofre e necessita de misericórdia, a misericórdia de Deus, através das pessoas, através dos cristãos, através da Igreja: uma Igreja misericordiosa, uma Igreja em saída, que não se encerre em si mesma, mas que saia, que vá às periferias humanas, existenciais e geográficas; uma Igreja hospital de campanha, porque há muito sofrimento e é preciso consolar… Tudo isso deu uma imagem e um conteúdo – imagem e conteúdo – que eram muito necessários para a Igreja. A Igreja fê-lo sempre, é certo, mas não se sublinhava tanto. A Igreja é antiga, mas é sempre nova: quando há um problema novo, social, humano, de violência, seja o que for, o Espírito Santo sempre suscita alguma pessoa que faz algo para dar resposta àquele problema.
O acolhimento
Por isso, a primeira atitude que os pastores e agentes de pastoral precisam de ter para realizar o seu serviço em favor do bem das pessoas, tanto dos cristãos que participam da vida da comunidade, como dos cristãos que estão afastados e como dos não cristãos, é o acolhimento: que as pessoas se sintam acolhidas, com um acolhimento primoroso, excelente, porque são pessoas.
Temos que acolher as pessoas todas, aquelas que vêm à paróquia e aquelas que não vêm e a quem temos, então, de ir procurar à rua, seja onde for; e, aí, também as acolhemos. A primeira atitude pedida ao sacerdote ou ao leigo, ao religioso ou à religiosa, é este primeiro contato, extremamente importante.
O diálogo
Depois, o acolhimento comporta o diálogo. Acolhemos para dialogar, para escutar, para responder. O diálogo é importantíssimo; sem ele, não poderíamos realizarmo-nos como pessoas e como cristãos. Como cristãos, acreditamos que Deus nos criou à Sua imagem e semelhança – homens e mulheres – e Deus é uno e trino, um só Deus e três Pessoas, com uma relação de conhecimento e amor mútuos; portanto, para nos realizarmos, nós, que somos seres sociáveis, precisamos de ser conhecidos pelos outros e conhecer os outros, ser amados por eles e amá-los.
Daí a importância do diálogo e da relação interpessoal. Por outro lado, a Igreja é diálogo. A Igreja tem que oferecer às pessoas a mensagem de Jesus, o Evangelho. Oferece-se esta mensagem expondo, falando, comunicando, dialogando com as pessoas.
O diálogo é muito necessário: a Igreja é “colóquio”. Mais ainda, o diálogo é importante em toda a esfera religiosa, porque a religião é diálogo entre Deus e os homens; também no cristianismo.
Acompanhamento
Às atitudes de acolhimento e diálogo é preciso acrescentar a atitude de acompanhamento, manter a proximidade com aqueles que vêm pedir um sacramento, ou oferecer um serviço, ou que querem conhecer melhor a mensagem evangélica… É preciso acompanhar estas pessoas. Por outro lado, os pastores, sobretudo os sacerdotes, têm que acompanhar também os leigos e leigas, religiosos e religiosas, que trabalham ao serviço da paróquia, da Igreja. Também estas pessoas precisam de ser acompanhadas, de ser ajudadas, de ser formadas, de ser animadas nos momentos de desânimo ou confrontadas com a realidade no momento em que descolam na fantasia de que tudo está a ser uma maravilha. A Igreja, porque é mãe, acompanha os seus filhos; portanto, a paróquia tem que acompanhar as pessoas.

A atitude de saída
Aqui entronca uma outra atitude importantíssima: a atitude de saída, que o Papa Francisco nos tem recordado tantas vezes. Tocamos o sino e cada vez vêm menos pessoas… Pelo menos na sociedade ocidental, ainda que não seja assim noutros lados. E nós, cristãos, acreditamos que Deus já está a agir no coração de todas as pessoas, crentes, não crentes, jovens, não jovens, mais próximas, mais afastadas. O que é preciso, às vezes, é que alguém ajude a discernir uma inquietude, um sonho, uma procura do sentido para a vida, uma procura frustrante, porque no local errado, da felicidade.
Discernimento
Por isso, uma outra atitude é o discernimento. É muito importante ajudarmo-nos mutuamente a discernir qual é a vontade de Deus: qual é a vontade de Deus na minha vida, concreta, mais próxima ou mais afastada da Igreja, mas onde há um desejo forte de me aproximar de Deus, uma grande necessidade de saber o que Deus quer da minha vida, complexa, difícil, que nem sempre está de acordo com as matrizes do que a Igreja diz, por exemplo, do matrimónio. E há situações difíceis, que não se coadunam com as coordenadas da Igreja: mas são duas pessoas que se encontram, que se conhecem, que se amam, que têm filhos… Bem, então é preciso o discernimento, porque poderão dar passos na direção de conhecer a vontade de Deus na sua vida concreta, dar passos no esforço para a cumprir.
O objetivo final
E tudo isto para quê? Para aproximar mais as pessoas de Deus e para as aproximar mais da Igreja. É isto que quero dizer: a pastoral – as paróquias, os arciprestados, a diocese, os movimentos…, toda a pastoral – precisa de ser organizada. Mas sempre serão necessárias as pessoas, seja qual for o modelo organizativo. E, portanto, sempre será necessário tudo o que disse antes: ir procurá-las, aproximar-se delas, acolhê-las, dialogar, acompanhar, discernir. Isto será sempre necessário, porque, em definitivo, a Igreja sempre está ao serviço das pessoas, e é Deus que ama, que salva, que quer que as pessoas se realizem plenamente como pessoas e como cristãos.
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