A Igreja ao serviço da ecologia integral

A ecologia integral implica cuidar do nosso planeta como uma grande casa comum, partilhada entre católicos e pessoas de outras confissões ou sem qualquer confissão; partilhada por pessoas e outros seres vivos.

Não é preciso ser católico, nem sequer cristão, para sentir responsabilidade pelo mundo “das coisas cá em baixo”, sob um céu vulnerável à poluição de proveniência humana.

Os cristãos, seguindo os caminhos espirituais traçados pelo Evangelho, são levados a reparar no esplendor dos lírios do campo e no sofrimento do próximo. Os católicos encontram-se ligados à Fé por Cristo numa comunidade há muito consciente da inseparabilidade entre o compromisso ecológico e a questão social.

Basta pensar no título de uma encíclica de João XIII, Paz na Terra (Pacem in Terris), uma expressão que interpela mesmo quem nunca leu essa encíclica.

Para a paz ser possível na Terra é tão importante lutar contra a fome, a pobreza, o tráfico de seres humanos, como lutar contra a desertificação, a contaminação dos oceanos pelo plástico, o empobrecimento da biodiversidade.

O clamor da Terra é o clamor dos pobres

As diversas catástrofes humanitárias causadas por alterações climáticas, de que é exemplo particularmente chocante, para os cidadãos de países lusófonos, o impacto do ciclone Idai, em Moçambique, mostram como os pobres são os mais vulneráveis a fenómenos naturais devastadores.

Não é possível estabelecer hierarquias de importância entre os problemas ecológicos e sociais. O “clamor da terra como clamor dos pobres” (LS, 49) apela com a mesma pertinência a uma abordagem integral da crise que atinge com idêntica violência a sociedade e o ambiente (LS, 139).

Uma encíclica para todos

Na encíclica Laudato Si’ (LS) o Papa Francisco leva mais longe o apelo de Papas anteriores. Não se dirige só a católicos, ou a “homens de boa vontade”, mas a “cada pessoa que habita neste planeta” (LS, 3).

A ecologia surge assim como um terreno abrindo a possibilidade de ações comuns, entendimentos com qualquer pessoa. Ou, no caso desses entendimentos não serem possíveis, um cuidado da natureza e da sociedade que a todos beneficie, pois a ecologia integral é animada por um sentimento de fraternidade e uma atitude gratuita que tornam possível amar mesmo os inimigos (LS, 228).

Lembra o Papa que todos os seres humanos são também matéria terrestre, corpos respirando oxigénio e vivificados pela água (LS, 2), bens essenciais ao bem comum cuja qualidade é necessário preservar. No que respeita à água é necessário não só defendê-la da poluição, mas também garantir o seu acesso geral. A captação da água por interesses privados indiferentes às necessidades básicas de todos os seres humanos pode transformar-se numa fonte maior de conflitos no século XXI (LS, 31).

Mulheres transportam comida e água distribuídas pela Helpo, na aldeia Sunate, após a passagem do Ciclone Kenneth, no distrito de Pemba, norte de Moçambique, 29 de abril de 2019. A tempestade matou 41 pessoas, de acordo com o levantamento provisório das autoridades e afetou cerca de 166 000 pessoas. Foto EPA / ANTONIO SILVA.
Mulheres transportam comida e água distribuídas pela Helpo, na aldeia Sunate, após a passagem do Ciclone Kenneth, no distrito de Pemba, norte de Moçambique, 29 de abril de 2019. A tempestade matou 41 pessoas, de acordo com o levantamento provisório das autoridades e afetou cerca de 166 000 pessoas. Foto EPA / ANTONIO SILVA.

A irmã Terra

Mas se a ecologia é um possível e necessário “terreno comum” com pessoas que perfilham outras confissões, espiritualidades e descrentes do cristianismo, a exortação do Papa Francisco à vivência de uma ecologia integral tem a marca inconfundível de uma mística cristã inspirada pelo exemplo de S. Francisco de Assis. Para este modo de se relacionar com o real, a Terra não é uma parte da natureza, é uma irmã (LS, 1).

Aos católicos, em especial aos jovens e aos mais conscientes dos sinais de violência ecológica e social destes tempos, cabe, a partir da sua identidade, agir com os outros numa causa que deve ser de todos; a partir da pertença a uma Igreja global responder a problemas globais. n

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