Na Úmbria, a primavera já adivinhava o verão. Apesar da frescura da espessa floresta que rodeava a pequena igreja de Santa Maria dos Anjos, no sopé da colina de Assis, o som ensurdecedor das cigarras não deixava lugar a dúvidas.
Nada, no entanto, que pudesse preocupar Frei Francisco e os seus companheiros, reunidos de todas as partes da Europa para o tão aguardado “Capítulo” que foi chamado “das esteiras”. Formavam um grupo colorido de aventureiros, jovens e menos jovens, sotaques estranhos, vestidos pobremente, com uma túnica, um capuz e uma corda com três nós.
Fontes bem informadas garantem-nos que entre eles estava um jovem português, chegado da longínqua Sicília, do qual não se sabia praticamente nada.
Tinha entrado nas fileiras dos frades, havia alguns meses, e, como eles, tinha começado a andar descalço pelos caminhos do mundo, vivendo na pobreza e na fraternidade. O que é certo, acrescentam os bem informados, é que esta foi a primeira vez que Frei António se encontrou pessoalmente com Frei Francisco. Uma oportunidade importante, pelo menos para o primeiro dos dois, para esclarecer melhor as diferença entre um cónego regrante de Santo Agostinho e um frade menor. António bem tinha tentado, mas, a julgar pelos resultados, com pouco sucesso ou, pelo menos, muitas dúvidas.
Neste ponto da história, mesmo aqueles que sabem tudo não nos podem dizer mais nada. Ou seja, ninguém se preocupou em transmitir-nos o relato detalhado do encontro daqueles que se tornarão dois dos maiores santos de todos os tempos: São Francisco de Assis e Santo António de Coimbra, de Lisboa e de Pádua!
Porém, apesar de não termos os detalhes, temos a certeza de que houve o encontro. As provas? Encontramo-las com abundância nas suas vidas. É como se a realidade do seu encontro não estivesse tanto no relato pormenorizado do que fizeram e disseram: o abraço de boas-vindas, as apresentações habituais, o sentar-se um ao lado do outro, falando longamente entre si, se calhar, até ao ouvido. Nada. Nem sequer uma selfie que nos mostrasse as suas caras alegres e o cabelo desalinhado. No entanto, a partir deste momento, António tornou-se mais “frade” António: amigo dos pobres e do povo, mais convencido de que, se queremos a paz, temos de acolhê-la primeiro, no nosso coração e lutar pela justiça, arriscando a cara e a vida. E ficou ainda mais convencido de que estamos sempre nas mãos de Deus, o lugar mais seguro para se estar!
Francisco chega até a escrever-lhe uma carta lembrando isso mesmo:
Para Frei António, meu bispo, Frei Francisco deseja saúde. Congratulo-me contigo pelo facto de ensinares a sagrada teologia aos frades, desde que nesta ocupação não extingas o espírito de oração e devoção, como está escrito na Regra. Fica bem!
Bilhete de São Francisco a Santo António
Não restam dúvidas de que o encontro aconteceu mesmo! A vida de António é mais do que suficiente para termos a certeza.
Não experimentamos isto, nós também, quando não podemos encontrar-nos com familiares e amigos? Francisco e António ensinam-nos que o encontro comporta o próprio fim e que a amizade também vive da ausência. Fisicamente, porque na verdade continua na vida de cada um de nós, espiritualmente, ao longo dos caminhos da memória, das emoções, da gratidão. E não é certo que este seja um encontro menos real. O próprio Jesus nos garante: “Eu estarei sempre convosco” (Mt 28:20)!
Foto da Capa: Encontro entre São Francisco e Santo António, na primavera de 1221, no Capítulo das Esteiras, em Assis. Ilustração de Luca Salvagno.