A experiência do tempo: da cronologia à contemplação

Alguém possui o tempo como se fosse um objecto? Que sentido tem dizermos “não tenho tempo”, se não possuímos o tempo?

Talvez seja por aceitarmos a ideia de Benjamin Franklin, um dos pais-fundadores do EUA de que “o tempo é dinheiro”. Logo, quando alguém diz não ter tempo, seria o mesmo que dizer não possuo esse recurso.

Demorei a compreender que o tempo não é um recurso, mas uma experiência. E como experiência, todos experimentamos o tempo. Todos poderíamos passar a dizer — “não tenho senão tempo”.

Qual a pala que restringe o nosso olhar à visão do tempo como recurso? Uma pista: tem ponteiros.

Mais do que uma vez fiz a experiência de ir à missa sem relógio ou telemóvel. Na prática, abdiquei do acesso aos ponteiros e dígitos que marcam o tempo cronológico. E de todas as vezes, a experiência tem sido não dar pelo tempo passar. A razão da dificuldade em abdicarmos dos nossos relógios pode ser a cultura cronológica que o mundo nos impõe. Pode ser, também, a necessidade de sincronizar a nossa vida com a vida dos outros.

O ser humano é um ser-em-relação e o tempo cronológico é o que permite a melodia da sinfonia tocada pelas comunidades humanas, onde cada pessoa contribui para a pauta com a sua vida. A experiência do tempo cronológico expressa o desejo e a necessidade de equilibrarmos os ritmos uns dos outros, mas seria muito limitado se a nossa experiência do tempo se restringisse ao cronológico.

Conseguem imaginar a vida sem um relógio que marca o tempo? Se não conseguem, o mais certo é que sejam, no mínimo, adolescentes. Se fossem uma criança seria mais fácil imaginar uma vida assim. Desapegados de qualquer necessidade cronológica, as pessoas experimentariam o tempo através dos eventos.

Isto é, cada evento seria para nós um sinal do momento que estaríamos a viver. Cada momento de vida tornar-se-ia oportuno. E no que é oportuno experimentamos o tempo certo (kairos). Esta é a experiência do tempo kairológico.

Na história humana sobre a experiência do tempo, a vida imersa somente no tempo certo (kairos) aconteceu antes de ser criado o primeiro relógio. Havia relógios de água ou ampulhetas de areia para contabilizar o tempo cronológico, mas a maior parte das pessoas vivia uma experiência do tempo a fluir por si, sem correr atrás do tempo. Não havia passado, presente ou futuro, mas memória, aqui e expectativa. O grande desejo escondido no desabafo daquele que diz não ter tempo é o de voltar a respirar a experiência de tempo que viveu quando era criança. Mas a incapacidade de voltar a essa condição não implica vivermos aprisionados ao tempo cronológico. Antes, revela a necessidade de amadurecermos a experiência de tempo na sua totalidade.

O evento mais marcante nestes dois meses será, sem dúvida, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Lisboa. Só encontrei o tema da experiência do tempo no “apressadamente” de Maria que faz parte do título da JMJ. Se reduzir a experiência do tempo à cronológica, o apressadamente poderá soar a uma visão de Maria que corre por não ter tempo. Por outro lado, podemos imaginar que “apressadamente” corresponde ao sinal de imediatez, espontaneidade no agir impulsionado mais pelo coração, independentemente da razão, de modo a não perder a oportunidade quando essa se apresenta. Poderíamos imaginar uma visão de Maria reacionária que não olha a meios para atingir o seu fim. Porém, o “apressadamente” numa visão mais total da experiência de tempo pode significar algo que sintetiza o sincronizar com o que é oportuno: uma experiência de tempo profundo.

Um convite a fazer uma experiência de tempo profundo pode soar vago, ambíguo e inútil. Se as coisas não acontecerem a tempo, podem não acontecer de todo. Se as oportunidades não se aproveitarem, podem levar ao remorso. Mas o facto de nos queixarmos tanto de termos tão pouco tempo provém do medo que sentimos da vida ser uma passagem. Porém, o eterno não precisa de ser ansiado porque o tempo profundo oferece uma experiência de eterno concreta.

Recordo vivamente a primeira vez que experimentei o pôr-do-sol. Estava com amigos, mas todos nos silenciámos. Não sei o que os outros sentiam ou pensavam, mas dentro de mim experimentava um momento único. Estava consciente da grandiosidade daquele momento. O silêncio era o estado mais natural daquilo que hoje compreendo ter sido uma experiência de tempo profundo. Estava ali, atento, a notar uma coisa nova. Contemplava como se os últimos raios de Sol quisessem habitar o meu interior, entrando nesse espaço desconhecido através do meu olhar.

Dentro de mim, a luz exterior convertida em interior, iluminava o espaço infinito da consciência e revelava uma experiência muito simples e profunda — “Deus-Amor”.

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